terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Células solares de perovskita podem ser uma alternativa mais barata e eficaz aos módulos de silício que dominam o mercado mundial de painéis fotovoltaicos

 DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/10/25/luz-mais-eficiente/?cat=tecnologia
ACESSO: 19/12/2017 as 20:10

      Uma nova geração de células solares feitas a partir de um material sintético cristalino conhecido como perovskita foi escolhida como uma das 10 tecnologias emergentes de 2016 pelo Fórum Econômico Mundial, organização suíça que reúne anualmente líderes empresariais e políticos para discutir questões globais. O material tem provocado entusiasmo entre cientistas por causa de sua elevada capacidade de converter fótons em elétrons, gerando eletricidade. Em julho deste ano, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Ulsan (Unist), na Coreia do Sul, anunciou a produção em escala laboratorial de células solares de perovskita com eficiência energética de 22,1%, um recorde. Esse índice, obtido em células de pequena dimensão, menores do que os modelos comerciais, supera o dos painéis de silício, que dominam o mercado, com 90% das vendas. A taxa de conversão deles situa-se entre 15% e 20%, dependendo do grau de pureza do silício usado na construção dos módulos.
      Fabricantes de painéis solares e vários grupos de pesquisa no mundo, inclusive no Brasil, trabalham no aprimoramento dessa tecnologia, que ainda precisa superar alguns obstáculos, como a baixa durabilidade, para chegar ao mercado consumidor. No Reino Unido, a Oxford Photovoltaics, uma spin-off da Universidade de Oxford, montou células de perovskita com índice de eficiência de 20% e trabalha com a possibilidade de acoplá-las aos painéis de silício para elevar a conversão de energia. O fundador da empresa, o físico Henry Snaith, foi um dos primeiros cientistas a reconhecer o potencial do material como conversor de luz solar em eletricidade. A Oxford Photovoltaics espera lançar os primeiros modelos comerciais dessas células no fim de 2018, segundo revelou Frank Averdung, presidente da companhia, à agência de notícias Bloomberg em março deste ano.
      “As células solares de perovskita são uma tecnologia recente e promissora”, atesta o químico Rodrigo Lopes Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), entidade que reúne empresas do setor. “É positivo que existam inovações e projetos em desenvolvimento como esse no segmento fotovoltaico, ainda mais no Brasil, um país com enorme potencial de geração de energia solar”, diz. A produção nacional desse tipo de energia no país ainda é pequena, de 176 megawatts (MW), e corresponde a 0,1% da matriz elétrica, mas tem crescido em ritmo acelerado. “Até o fim do ano deve atingir 1 gigawatt (GW)”, informa Sauaia. Em junho, começou a operar o Parque Solar da Lapa, no sertão baiano, o maior do país, com capacidade para produzir 158 MW, o suficiente para atender às necessidades de 166 mil famílias por ano.
     A perovskita usada em células solares é um material semicondutor, de fórmula química CH3NH3PbI3, cuja estrutura se assemelha à do mineral titanato de cálcio (CaTiO3) descoberto nos Montes Urais, na Rússia, em 1836. Esse mineral foi batizado de perovskita em homenagem ao mineralogista russo Lev Alexeievitch Perovski (1792-1856). A matéria-prima empregada na produção das células não é retirada da natureza, mas sintetizada em laboratório. Elas são construídas em camadas, com diferentes filmes finos com composição química e funções diferentes.
      A evolução dessa tecnologia em curto espaço de tempo chama a atenção dos cientistas. Quando a perovskita foi aplicada pela primeira vez a uma célula solar, em 2009, o índice de conversão de luz em energia elétrica era inferior a 4%. Menos de uma década depois, esse percentual cresceu mais de cinco vezes e deve continuar evoluindo. Os professores Yang Yang, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos, e Jingbi You, do Instituto de Semicondutores da Academia Chinesa de Ciências, estimam que essas células solares devem alcançar 25% de eficiência energética em dois anos, segundo artigo publicado na revista Nature de abril deste ano. As pastilhas de silício, por sua vez, já estão no mercado há mais de 50 anos e parecem ter atingido seu limite. Nos últimos 15 anos, não foram registrados grandes progressos em sua taxa de conversão.

Grau de pureza
      As células de perovskita também são mais baratas e fáceis de produzir do que as de silício. “Para que se obtenha alta eficiência energética, as células de silício precisam ter um grau de pureza muito elevado, o que aumenta o consumo de energia durante a fabricação e eleva seu custo”, explica a química Ana Flávia Nogueira, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e líder de um dos grupos de pesquisa desse tipo de dispositivo no país, o Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar (LNES). A pureza do silício é necessária porque pequenas imperfeições no cristal interferem em sua capacidade de transformar a luz absorvida em eletricidade.
      Já as células solares de perovskita não requerem elevada pureza, uma vez que defeitos em sua estrutura não reduzem sua eficiência. Elas são feitas com compostos químicos baratos e podem ser elaboradas com métodos simples que reduzem seu custo. Além disso, o processo produtivo não contribui para o aquecimento global. Durante a produção das lâminas de silício, o dióxido de silício (SiO2), matéria-prima básica do dispositivo, precisa ser fundido a altas temperaturas, em torno de 1.500 °C, liberando dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. “A fabricação das células de perovskita não emite CO2”, diz a pesquisadora da Unicamp.
      O grupo de Ana Flávia Nogueira foi o primeiro a fazer células solares de perovskita no Brasil, em 2016. “Esse estudo começou com a dissertação de mestrado do químico Rodrigo Szostak. Não foi difícil iniciar o desenvolvimento dessas células, já que nosso laboratório pesquisa desde 2004 células solares orgânicas e células sensibilizadas por corantes, duas tecnologias que serviram de inspiração para as células de perovskita”, conta a pesquisadora. O dispositivo desenvolvido no LNES já atinge valores de eficiência próximos a 16% e deve alcançar 18% até o fim do ano.
       Outra característica das células solares de perovskita é sua espessura, em torno de 1 micrômetro (a milionésima parte do metro), diante de cerca de 180 micrômetros das pastilhas de silício. “Elas são produzidas na forma de filmes ultrafinos e podem ser semitransparentes, o que poderá levar à fabricação de painéis leves e flexíveis, permitindo uma quantidade maior de aplicações”, afirma a química Silvia Letícia Fernandes, que fez seu doutorado sobre o tema. Um dos problemas das células fotovoltaicas de silício é que elas são pesadas e rígidas, o que dificulta e limita os lugares de instalação dos módulos solares.
      Silvia defendeu no ano passado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) a tese de doutorado “Desenvolvimento de células solares de perovskita baseadas em filmes de óxidos nanoestruturados”, sob orientação da professora Maria Aparecida Zaghete, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara. O trabalho teve apoio do professor Carlos Frederico de Oliveira Graeff, da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, para preparação das células solares. Maria Aparecida e Graeff são pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP.

Calcanhar de aquiles
        Mesmo com tantas vantagens, as células de perovskita ainda precisam vencer desafios para se tornar um produto comercial e disputar espaço no mercado de energia solar fotovoltaica. O principal deles é a baixa durabilidade do material. “Esse é o calcanhar de aquiles”, admite o químico Rodrigo Szostak, do grupo de pesquisa da Unicamp. “Outro grande problema em relação ao silício é a estabilidade. A perovskita é sensível à água e à umidade, que causam sua degradação”, afirma. As primeiras células feitas no mundo com o material permaneciam estáveis por apenas alguns minutos, mas alterações em sua estrutura elevaram a durabilidade para pouco mais de um ano.
       Recentemente, o grupo do professor Michael Gratzel, da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, um dos mais avançados no estudo de células de perovskita, conseguiu fabricar módulos solares de 10 por 10 centímetros quadrados (cm2) por meio de um processo adaptado para produção industrial. Os dispositivos apresentaram eficiência de 11,2% e mostraram-se estáveis por mais de 10 mil horas (415 dias). Apesar do avanço, a durabilidade ainda é muito inferior à dos painéis de silício, que operam sem sofrer degradação por até 25 anos.
      Outro problema a ser superado é o uso de chumbo na montagem da célula, um elemento químico que traz riscos à saúde e ao ambiente. “O chumbo é sempre uma preocupação ambiental grande, mas a quantidade utilizada é muito pequena. Seu uso em células solares na forma de filmes finos seria muito menos impactante para o ambiente do que as baterias de chumbo-ácido usadas pela indústria automobilística”, frisa Silvia Fernandes. O problema poderia ser contornado com o descarte adequado e a utilização das células em locais seguros. “O uso do dispositivo em parques solares, com terreno preparado, tem baixo risco de causar dano ambiental”, afirma Ana Flávia.

Mais estável
       Para ajudar a contornar a baixa estabilidade das células de perovskita, o grupo da Unesp inseriu na composição da célula filmes de pentóxido de nióbio (Nb2O5), o que a tornou mais estável. “A célula solar é formada basicamente por um filme de perovskita e outros dois filmes, um responsável pelo transporte dos elétrons e outro pelo de buracos [um buraco é uma partícula caracterizada pela ausência de um elétron, tendo carga de mesmo valor, mas de sinal oposto à do elétron]. Esses elétrons e buracos gerados pela luz migram para lados opostos do material, criando uma tensão que pode ser usada para alimentar dispositivos elétricos”, explica Silvia. “A maioria das células usa como transportador de elétrons o dióxido de titânio [TiO2]. Nós introduzimos o pentóxido de nióbio, que se mostrou muito eficiente e ainda melhorou a estabilidade.”
       O dispositivo montado na Unesp apresentou eficiência de até 15%. Parte do estudo foi feita no Laboratório Federal Suíço de Ciência e Tecnologia de Materiais (Empa), sob orientação do professor Frank Nüesch. “Em 2015, passei cinco meses no laboratório do professor Nüesch. Ele nos cedeu o espaço físico e a experiência na montagem das células. Nós utilizamos os filmes de pentóxido de nióbio preparados no Brasil e montamos as células lá. Hoje conseguimos fazer toda a montagem e caracterização dos dispositivos no Laboratório de Novos Materiais e Dispositivos (LNMD), com a mesma qualidade”, diz Silvia.
      Um terceiro grupo de pesquisa brasileiro, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), trabalha no aprimoramento das células solares de perovskita. A inovação foi acrescentar um aerogel de dióxido de titânio (ou titânia) na arquitetura do dispositivo a fim de elevar sua taxa de conversão. A pesquisa foi liderada pela equipe do físico Carlos Rambo, coordenador do Laboratório de Materiais Elétricos (Lamate) do Departamento de Engenharia Elétrica e Eletrônica, e teve a parceria das físicas Maria Luísa Sartorelli e Françoise Toledo Reis, do Laboratório de Sistemas Nanoestruturados (LabSiN) do Departamento de Física.
      “O aerogel é um material conhecido como fumaça sólida por apresentar uma elevada área superficial e ser muito leve. Desenvolvemos pela primeira vez no mundo células solares de perovskita à base de aerogel”, afirma Rambo. “Adicionamos o aerogel de dióxido de titânio na arquitetura do dispositivo e duplicamos sua eficiência em relação ao de uma célula com camada compacta de titânia.”
        Para Rodrigo Sauaia, da Absolar, os esforços de pesquisa no Brasil e no mundo são fundamentais para melhorar as características físicas e químicas das células de perovskita e aperfeiçoar o processo produtivo. “O desafio atual é transformar células de pequeno porte, que apresentam bons resultados em bancada de laboratório, em produtos comerciais, produzidos em larga escala”, aponta Sauaia. De acordo com ele, o sucesso dessa nova tecnologia vai depender da existência de um módulo solar competitivo que atenda às exigências do mercado.

Maior poder de absorção
      
Equipe do MIT usa nanotubos de carbono e cristais nanofotônicos para criar dispositivo solar mais eficiente
      Um grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), liderado pela engenheira mecânica Evelyn Wang, o físico Marin Soljacic e o aluno de doutorado David Bierman, está trabalhando em um novo tipo de célula solar, capaz, segundo eles, de gerar o dobro de energia do que os painéis de silício existentes. O segredo da nova tecnologia é sua elevada capacidade de absorção da radiação solar, de acordo com a publicação MIT Tech Review. As células fotovoltaicas modernas absorvem apenas comprimentos de ondas da luz na faixa do visível, do violeta ao vermelho; o restante é perdido. O dispositivo é capaz de absorver a energia de todo espectro solar para gerar eletricidade.
       Outra vantagem é que esse tipo de célula poderia ser eficiente também em dias sem sol. Embora dependa da radicação solar para gerar eletricidade, uma vez que o material absorvedor tenha captado essa luz, ele gera calor. Esse calor pode ser armazenado para produzir energia em dias nublados ou mesmo durante a noite. Em laboratório, o protótipo apresentou um índice de eficiência relativamente baixo, de 6,8%, mas seus inventores acreditam que ele tem potencial para evoluir.
      Alguns obstáculos precisam ainda ser ultrapassados, como o elevado custo de fabricação do novo sistema. Outro é que a tecnologia se mostre viável em condições ambientais normais, já que, até o momento, os testes foram realizados apenas no vácuo e não no ambiente. O novo dispositivo foi avaliado pela MIT Tech Review como uma tecnologia promissora.

Projetos
1. Nanoestruturas híbridas em células solares de terceira geração (3G) (nº 14/21928-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Ana Flávia Nogueira (Unicamp); Investimento R$ 291.986,83.
2. Desenvolvimento de células solares híbridas baseadas em filmes nanoestruturados de ZnO e Nb2O5 (nº 12/07745-9); Modalidade Bolsa de Doutorado – Brasil; Pesquisadora responsável Maria Aparecida Zaghete Bertochi (Unesp); Bolsista Silvia Letícia Fernandes (Unesp); Investimento R$ 106.393,98 e R$ 45.284,17 (Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior, nº 14/23336-7).
Artigos científicos
SZOSTAK, R. et. al. Understanding perovskite formation through the intramolecular exchange method in ambient conditions. Journal of Photonics for Energy. v. 7, n. 2. 24 mai. 2017.
FERNANDES, S. L. et. al. Nb2O5 hole blocking layer for hysteresis-free perovskite solar cells. Materials Letters. v. 181. 15 out. 2016.
PINHEIRO, G. K. et. al. Increasing incident photon to current efficiency of perovskite solar cells through TiO2 aerogel-based nanostructured layers. Colloids and Surfaces A: Physicochemical and engineering aspects. v. 527, p. 89-94. 20 ago. 2017.




 YURI VASCONCELOS | ED. 260 | OUTUBRO 2017

Baterias de carros elétricos evoluem, mas ainda perdem em densidade energética para os combustíveis tradicionais

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/11/24/mais-energia/?cat=tecnologia
ACESSO: 19/12/2017 as 19:30

      O aumento da frota global de carros elétricos, que deverá representar 16% do total de automóveis em circulação no planeta em 2030, está gerando uma corrida na pesquisa e no desenvolvimento de novas baterias, a fonte de energia desses veículos. Um estudo do banco de investimentos Goldman Sachs mostrou que a demanda mundial por esse tipo de bateria deverá atingir US$ 40 bilhões (cerca de R$ 128 bilhões) por ano em 2025. O desafio é desenvolver um modelo mais barato, durável, seguro e capaz de armazenar mais energia, elevando a autonomia dos veículos elétricos. As baterias de lítio-íon, estado da arte no segmento, permitem que os motoristas rodem em média 250 quilômetros sem necessidade de recarga. O ideal é que esse patamar seja duplicado, equiparando os veículos elétricos à autonomia dos carros movidos a combustíveis fósseis e etanol.
     “Os esforços feitos nos últimos anos por fabricantes de baterias, indústria automobilística e centros de pesquisas resultaram em baterias com maior densidade energética [a quantidade de energia armazenada em função de sua massa ou volume]”, afirma o engenheiro eletricista Raul Beck, coordenador da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil) e responsável pela Área de Sistemas de Energia da Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), de Campinas (SP).
       Mesmo assim, os modelos mais avançados ainda estão longe de ter a mesma densidade de energia do etanol ou da gasolina. Enquanto as células de lítio armazenam cerca de 690 watts-hora (Wh) por litro (L), 1 litro de etanol hidratado possui aproximadamente 6.260 Wh de energia, e 1 litro de gasolina comum, cerca de 8.890 Wh. “Esses números mostram que a energia contida em 1 litro de etanol ou gasolina é bem maior do que a presente em [um volume de] 1 litro de bateria”, destaca o físico José Goldemberg, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da FAPESP, especialista em energia. Seria preciso quase 13 litros de bateria para substituir 1 litro de gasolina. Embora em menor proporção, gasolina e etanol também são mais vantajosos do que a bateria quando se analisa o índice de conversão da energia para as rodas do veículo e se considera o volume que os respectivos sistemas de abastecimento ocupam no carro (tanque de combustível, mangueiras, tubulações etc., no caso de gasolina e álcool; e caixa eletrônica, refrigeração e ventilação, nas baterias). “Como a eficiência de conversão de energia da bateria para as rodas do carro elétrico é da ordem de 90%, 1 litro de bateria disponibiliza cerca de 430 Wh para as rodas”, aponta Beck, do CPqD. “Já a eficiência de conversão energética da gasolina e do etanol é muito menor, da ordem de 20%, mas, ainda assim, 1 litro de gasolina envia 1.420 Wh para as rodas, enquanto 1 litro de etanol disponibiliza 1.000 Wh.” Nesse cálculo, considerou-se que as células de lítio ocupam 70% do volume total da bateria e que gasolina e etanol representam 80% do volume do sistema de combustível dos veículos convencionais. Assim, um reservatório de 50 litros de gasolina precisaria ser substituído por uma bateria com um volume de cerca de 165 litros, ao passo que um tanque de 50 litros de etanol necessitaria ser trocado por uma bateria com um volume ao redor de 115 litros.
       José Goldemberg destaca que, além da limitação energética das baterias, os veículos elétricos precisam superar outros obstáculos, como a inexistência de uma rede de recarga e o fato de, em muitos países, principalmente na Europa, a eletricidade ser gerada pela queima de combustíveis fósseis, o que reduziria a vantagem ambiental dos elétricos. O mais eficaz para contornar o problema da poluição nos grandes centros urbanos causada pela fumaça exalada pelo escapamento dos veículos, segundo o físico, é usar motores de combustão interna acionados por um combustível renovável e limpo (não originário de fontes fósseis), como o etanol, produzido a partir de cana-de-açúcar no Brasil e de milho nos Estados Unidos.

Diferentes tecnologias
       Para Raul Beck, o etanol não é justificativa para que o Brasil deixe de acompanhar a trajetória de substituição dos carros a combustão por modelos movidos a bateria. “O veículo elétrico já é uma realidade e grande quantidade de recursos está sendo investida em vários países para melhorar o desempenho das tecnologias atuais de bateria”, conta. Ele explica que a vantagem das baterias de lítio-íon em relacão a outros modelos se dá porque o lítio tem um elevado potencial eletroquímico (capacidade de gerar energia a partir de reações químicas de óxido-redução) e é o metal mais leve e menos denso entre os elementos sólidos da tabela periódica.
         O lítio tem cerca de metade da densidade da água, ou seja, um bloco de 1 litro de lítio pesa 0,534 kg. “Com isso, é possível fazer baterias menores e mais leves, com alta densidade de energia”, ressalta a química Maria de Fátima Rosolem, pesquisadora da Área de Sistemas de Energia do CPqD. “Além disso, a bateria de lítio é constituída por materiais com baixo impacto ambiental e tem elevada vida cíclica [capacidade de sofrer sucessivas recargas e descargas].”
        Uma análise da evolução energética das baterias nos últimos anos mostra que as convencionais de chumbo-ácido, usadas em carros comuns, apresentam as menores densidades de energia gravimétrica (massa) e volumétrica, ou seja, são mais pesadas e maiores em comparação às demais tecnologias. Elas são seguidas das baterias de níquel-cádmio, usadas principalmente em pilhas recarregáveis de ferramentas elétricas, de níquel-hidreto metálico, empregadas em veículos elétricos nos anos 1990, quando ainda não existiam modelos comerciais de baterias de lítio, e, por fim, das diferentes tecnologias de lítio-íon. 

YURI VASCONCELOS | ED. 261 | NOVEMBRO 2017

Escola do Futuro USP

Projeto desenvolvido pela USP, conta com diversos projetos, cursos e produção científica disponibilizada para consulta.No endereço abaixo, há possibilidade de acessar a página e navegar pelo BIBVIRT – BIBLIOTECA VIRTUAL DO ESTUDANTE BRASILEIRO, ACESSA ESCOLA, BRASIL 500 ANOS, LABORATÓRIO DIDÁTICO VIRTUAL - LABVIRT, dentre outros.
Passem lá, acredito que vão gostar.

DISPONÍVEL: http://futuro.usp.br/labvirt/

sábado, 28 de outubro de 2017

DE FLOR EM FLOR.... NEM MESMO A ESTABILIDADE E O RECONHECIMENTO PROFISSIONAL CONSEGUEM PARAR ANA MARIA GIULIET

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ACESSO: 28/10/2017 as 02:11



Ana Maria Giulietti Harley: De flor em flor
Sem acomodar-se em universidade consagrada, botânica coleciona guinadas, floras e iniciativas para solidificar grupos de pesquisa 

A pernambucana Ana Maria Giulietti é reconhecida como professora da Universidade de São Paulo (USP), mas também da Estadual de Feira de Santana (UEFS). Em cada uma delas, deixou marcas de curiosidade e trabalho com afinco, desbravando áreas desconhecidas e ajudando a organizar instituições.
Há poucos anos, porém, deixou (em suas palavras) rede e maniçoba na Bahia para enfrentar a Amazônia, um sonho antigo. Seu entusiasmo inesgotável agora rende frutos para o Instituto Tecnológico Vale (ITV), em Belém. No final de 2014 ela protagonizou a parceria entre o ITV e o Museu Paraense Emílio Goeldi para executar a tarefa hercúlea de catalogar e estudar as plantas da serra dos Carajás, no Pará, que deve ser concluída em fevereiro de 2018. A região, uma ilha de vegetação mais rasteira em meio à floresta amazônica típica, tem uma profusão de espécies raras de bichos e plantas que só existem ali e correm risco devido à mineração e à pecuária.
“É uma biodiversidade única, maravilhosa, espetacular”, disse ela no final de agosto em palestra no Congresso Nacional de Botânica, no Rio de Janeiro, onde conversou com Pesquisa FAPESP durante o horário de almoço depois de uma noite de pouco sono. Resolveu aperfeiçoar a apresentação, na véspera, enquanto esperava a retransmissão de um jogo do Corinthians. Apesar de saber que o gol havia sido marcado no último minuto se envolveu tanto no trabalho que, quando viu, tinha perdido. Ela declara que ser corintiana é um ponto que tem em comum com o primeiro marido, de quem se separou ao mudar-se para Feira de Santana. Os três filhos são a outra conexão. Atualmente é casada com o botânico britânico Ray Harley.
Sem se deixar abater por um problema de audição sério, Ana parecia uma celebridade no congresso. Difícil resistir à analogia com suas plantas prediletas, a família das eriocauláceas: as populares sempre-vivas.
Sua trajetória envolve muitas mudanças. O que conduz esses movimentos?
Eu sou nordestina, pernambucana. Nasci em Pesqueira, no meio da Caatinga, e caí em São Paulo. Mas eu sempre dizia que queria voltar para o Nordeste, para minhas origens.
Por que você foi para Feira de Santana, e não Recife?
Em Recife já estava tudo feito, eu seria mais uma, e queria mostrar que era possível fazer algo do início. Um dia, quando estava na USP, recebi a divulgação de uma vaga de taxonomia de angiospermas com ênfase em monocotiledôneas na UEFS. Quando abri, achei que fosse um sinal, bem a minha área. Cheguei em casa e disse para o marido e os filhos: “Vou fazer esse concurso. Um deles me chamou a atenção. ‘Mãe, é para professor assistente’. Respondi: ‘Qual é o problema? Estou me aposentando da USP, posso fazer isso’”. No outro dia de manhã eu estava no laboratório e tocou o telefone. Era Fábio França, coordenador da área de botânica da UEFS, me convidando para integrar a banca. Eu disse que não podia aceitar porque queria concorrer, a não ser que houvesse um professor substituto ao qual a vaga fosse destinada. Se eles quisessem uma velhota meio saracoteadora, eu iria. Mas, antes, propus uma visita para explicar o que queria fazer. Se não houvesse condições, não iria. Quando cheguei, um monte de gente me esperava. A reitora já queria propor o mestrado, mas expliquei que com apenas um doutor não era possível. Eu sabia que os professores tinham mestrado, tinha visto os currículos de todos eles. Fiz o concurso e não tirei 10. Tirei 9,9 no currículo porque não pus resumos que tinha apresentado em congressos. No resto, tirei 10. Meu ex-marido trabalhava no Instituto de Economia Agrícola da Secretaria da Agricultura de São Paulo e disse que Feira de Santana era demais para ele, que não ia. Minha filha mais nova já tinha 21 anos, os três estavam na universidade e avisei, “Estou indo”. E fui.
A conquista foi construir o curso?
Exatamente. Cursei história natural na Faculdade Frassinetti do Recife. Minhas amigas que foram para a pesquisa diziam: “Você consegue tudo porque trabalha na USP, vem para cá ver os nossos problemas”. Eu dizia que quando pudesse me aposentar mostraria que é possível fazer pesquisa de boa qualidade em qualquer lugar, basta disposição.
Então você se aposentou pela USP e mostrou que dava para trabalhar em Feira de Santana.
Eu tinha a vantagem de conhecer muita gente, saber o caminho das pedras, perceber quando dá e quando não dá. Tive sorte também de ter uma reitora, Anaci Paim, que ficou encantada com a possibilidade de eu ir para lá. O governador da Bahia tinha declarado que queria melhorar o nível das universidades, com contratação de professores visitantes que fossem doutores. Fui a primeira doutora a chegar na área de Botânica da UEFS, no corpo docente só havia mestres e especialistas. Então fizemos um plano de capacitação de cinco anos para todos fazerem doutorado. Conversei com vários professores da USP, para recebê-los depois de aprovados na seleção. O planejamento era que em cinco anos montaríamos o curso de mestrado e em sete anos o de doutorado. Cheguei em fevereiro de 1996, em março de 2000 implantamos o mestrado e em março de 2002 o doutorado. Hoje o curso de Botânica em Feira de Santana é nível 5 na avaliação da Capes.
Foram quase 20 anos lá?
Em 2008 decidi sair porque estava cuidando da minha mãe. Ela tinha quase 90 anos e sofria de diabetes. Queria morar em Salvador e era muito difícil ir e voltar todos os dias. Nos anos anteriores eu era pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação, era muito desgastante. Pensei em pedir demissão, mas, como eu tinha mais de 60 anos e mais de 12 anos de trabalho lá, fui aconselhada a pedir uma aposentadoria proporcional, assim continuaria na instituição. Parei de dar aulas na graduação porque já começava a ter problema auditivo, o que é muito limitante para dar aula. Preciso de outra pessoa junto comigo e quase não interajo com os alunos devido à pouca audição. Continuei dando aulas na pós-graduação para turmas pequenas e ainda tenho dois doutorandos. Mas em agosto de 2014 a bióloga Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, da USP, me ligou e disse que estava trabalhando no ITV. A instituição queria fazer um convênio com o Museu Paraense Emílio Goeldi para estudar a flora de Carajás. Ela disse algumas palavras-chave para mim: Amazônia e campo rupestre! Uma semana depois fui conversar com eles e telefonei para o Ricardo Secco, do Goeldi, “Junte todos que vou aí para fazermos um convênio”. Quando cheguei, estavam todos lá e contei que se eles assinassem o convênio para trabalharmos juntos em Carajás eu iria para Belém. Redigimos um documento com metas que todos diziam ser impossível cumprir. O ITV já tinha dito que me daria todas as condições de fazer, só era preciso trabalhar. Foram três anos intensos. Às vezes, passamos de 10 a 15 dias no campo a cada mês. Outras vezes até mais, 20 dias. Era importante para mim que meu atual marido, Ray Harley, pudesse me acompanhar. Ele é botânico também e sobe serra com mais força até do que eu, apesar de ter 10 anos a mais.
Ele é inglês?
É. Eu o conhecia desde 1968, quando veio para uma expedição da Royal Society em Xavantina, Mato Grosso. Eu estava fazendo parte do mestrado na Universidade de Brasília com a Graziela Maciel Barroso. Ela foi convidada para ir ao acampamento e fui junto. Lá conheci o Ray e ficamos amigos desde então. Ele era casado, depois se separou e casou de novo, eu me casei e tive filhos. Tivemos projetos conjuntos entre a USP e o Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra, onde ele trabalhava. Um ano depois que fui para a UEFS ele se aposentou, ganhou uma bolsa para a Bahia e resolveu morar em Feira de Santana. Estávamos os dois solteiros. Depois de 30 anos começamos a namorar, mas não tínhamos pensado em nos casar. Compramos uma casa em Rio de Contas, no sul da Chapada Diamantina, na Bahia. Metade de cada um, não era para ser como casal. Mas durante uma excursão umas abelhas me pegaram em cheio no rosto. Fiquei muito inchada, a médica pediu uma radiografia e viram que tenho a síndrome de Paget, um problema do metabolismo que retira o cálcio dos ossos e deposita em outro lugar. É uma doença genética incurável que no meu caso leva à surdez, porque vai preenchendo os ossos do crânio. É mais comum na Holanda e no norte da Inglaterra, ninguém aqui conhecia. Pesquisei na internet e encontrei um médico especialista no Recife, Francisco Bandeira. Ele tinha feito um pós-doutorado em Oxford, na Inglaterra, para trabalhar com metabolismo exatamente onde a incidência dessa doença é grande. Quando voltou para Recife, percebeu que vários pacientes que ele tratava como portadores de artrose, na verdade tinham Paget, o que ele atribuiu à presença holandesa que houve na região. Fui para Recife e fiz o que chamavam de tratamento de choque, fiquei internada no hospital por duas semanas com medicação na veia. Fiquei na casa dos meus pais, que ainda moravam lá. O Ray estava na Inglaterra e ligou assim que saí do hospital. Depois de conversar comigo, falou com meu pai e pediu minha mão em casamento. Fiquei surpresa, não era nosso plano. Mas ele tinha descoberto uma Associação de Paget na Inglaterra e se fôssemos casados eu teria acesso a mais tratamentos. Ele disse, “Eu gosto de você, quero ficar com você toda a vida, quero casar com você”. Três meses depois, nos casamos na Inglaterra. Nem posso falar mal da doença, até me casei com meu segundo marido por causa dela. Estamos casados há 17 anos.
Voltando para a pesquisa: o tipo de projeto que envolve muita gente, como o do ITV, propicia a formação de recursos humanos. Isso é importante para você?
Sim. Sempre priorizei a formação de recursos humanos, acho que passaram pelas minhas mãos mais de 100 alunos hoje espalhados em várias regiões do país e até fora, são o meu orgulho. O ITV se associou ao CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] para a implantação de 50 bolsas de pesquisa. No ano passado o instituto elaborou um programa de pós-doutorado com a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior], também no modelo da associação público-privado. No mestrado em desenvolvimento sustentável dou aula sobre espécies ameaçadas, endêmicas e raras, além das leis que controlam sua ocorrência em áreas onde há utilização dos recursos naturais. As coletas de plantas em Carajás, ligadas ao licenciamento da mineração, iniciaram-se na década de 1970 e em 2015 partimos de cerca de 300 espécies conhecidas para mais de mil. Quando concluída, a flora da canga, nos afloramentos ferríferos, representará mais de 10% da flora registrada para o Pará inteiro. Certamente esse dado não corresponde à real diversidade do Pará, o que temos é ainda um enorme desconhecimento dessa flora e muitas lacunas a ser preenchidas. O paradigma de se é possível ter compatibilização de desenvolvimento sustentável com a utilização de recursos naturais e da floresta me instiga muito. E tem outras perguntas: será que canga é realmente campo rupestre? Que adaptações ela tem? Não são só perguntas práticas, mas acadêmicas mesmo.
Você não sabe as respostas?
Não, ainda não existem as respostas. Teve uma mesa-redonda de campos rupestres aqui no congresso, eu disse ao Pirani [José Rubens Pirani, professor da USP] que as questões que eles estavam discutindo eram as mesmas que tínhamos há 30 anos, quando ele foi meu primeiro aluno de iniciação científica. Levou esse tempo todo para começarmos a entender que flora é aquela, de onde ela vem, como pode ter campo rupestre em Minas separado da Bahia. Os gêneros são mais ou menos os mesmos, mas com uma diversidade diferente, as espécies são outras. Sabemos que a serra do Espinhaço, em Minas e na Bahia, está levantada desde o período Cretáceo, assim como Carajás, que a vegetação das cimeiras está lá desde o Terciário. Se conhecermos melhor, fica mais fácil conservar o que precisa ser conservado. Porque não é possível preservar todas as populações, mas algumas precisam ser mantidas para não levarmos espécies à extinção.
O que vocês descobriram de mais interessante sobre Carajás?
É o conjunto dos dados. As áreas em Carajás sobem e descem ao longo do tempo geológico e cria-se uma flexibilidade na superfície que forma os mais variados ecossistemas. Tem todo esse sistema de lagoas. As plantas que estão nas lagoas permanentes são diferentes das encontradas nas lagoas temporárias, devem ter origens evolutivas distintas. É muito complexo, e é isolado como se fosse uma ilha no meio de uma floresta impenetrável. Provavelmente boa parte das espécies teve origem em especiação local. Estamos estudando e tentando juntar tudo.
Houve descobertas mais marcantes no levantamento?
Um dia, Rodolfo Jaffé [biólogo, pesquisador do ITV] trouxe umas raízes estranhas perguntando o que eram. “Ficam na caverna, parece um monte de pelos”, ele contou. Eu disse para ele marcar uma viagem e lá fomos. A entrada da caverna é muito pequena, você tem que se arrastar no chão. Quando entrei, tinha um guano [fezes] de morcego bem no meio do caminho, caí no meio dele. A caverna é maravilhosa e aquelas raízes só nascem onde a água percola e bate nas que correm paralelamente ao solo. Coletamos, olhamos na lupa e no microscópio, tinha estrutura de raiz. Extraímos DNA, comparamos com banco de dados e conseguimos identificar até gênero, uma delas até espécie. Eram coisas diferentes, todas dicotiledôneas. Foi espetacular, estamos publicando agora.
Você fez levantamento de flora de outros biomas?
Comecei com a Caatinga no Instituto de Pesquisas Agronômicas em Recife, sob orientação de Dárdano de Andrade-Lima. Depois, quando cheguei a São Paulo, passei a trabalhar com campos rupestres na serra do Cipó e na parte norte da cadeia do Espinhaço. Quando fui para a Bahia um dos atrativos era a Chapada Diamantina. Em Feira de Santana, além da Chapada Diamantina, trabalhei na Caatinga de novo. Naquela época, meu foco era o semiárido. Com a questão da transposição do rio São Francisco, o governo fez uma chamada para o Instituto do Milênio do semiárido. Nós ganhamos a chamada e durou cinco anos, o projeto contou com mais de 20 instituições do Nordeste e montou grande parte da infraestrutura de pesquisa da UEFS e outras instituições.
Então o trabalho desse Instituto do Milênio ainda produz resultados?
Sim. Compramos o primeiro sequenciador para plantas no Nordeste, um microscópio eletrônico de varredura, e a pesquisa da rede do Milênio passou a ser um diferencial para a região. Muitos diziam que a flora da Caatinga era pobre e estava quase toda degradada, e provamos que não. Fizemos a primeira lista de espécies do semiárido brasileiro incluindo todos os tipos de vegetação, foi uma das bases para a elaboração da lista da flora do Brasil, concluída em 2010. A transição da vegetação da Caatinga para a de Cerrado de altitude e os campos rupestres, entre mil e 2 mil metros de altitude, é espetacular.
Como define a importância de se conhecer a flora?
Levantar os dados disponíveis em bancos de dados públicos e fazer modelagem, por exemplo, é uma atividade importante. Porém, fazer isso complementar todas as lacunas, esse é o diferencial. Quando tivermos o banco de dados autenticado de Carajás, não vai ter outro tão completo. São 16 mil, até 20 mil registros de uma mesma área que poderão ser trabalhados em termos de modelagem, distribuição das espécies, relação com mudanças climáticas, áreas mínimas para conservação e muito mais. Os estudos na serra dos Carajás, incluída no domínio da floresta amazônica, pode ser um modelo de como avançar para o preenchimento das lacunas de conhecimento na flora dessa região. Também pode responder a perguntas que tenho na cabeça há muito tempo e outras novas, por exemplo: a flora das cangas de Carajás é similar à das cangas de outras regiões do país? Quais os principais mecanismos de especiação das espécies endêmicas das cangas? Como a longa história geológica da serra dos Carajás e as flutuações climáticas do Quaternário podem ter estimulado essa especiação?
Como você compara a maneira como trabalhava antes e como vai ser depois? Hoje é possível integrar ecologia, modelagem, sequenciamento genético. Muda muito a forma de se trabalhar, as questões formuladas?
Sempre gostei de trabalhar com especialistas de várias áreas. Em Feira de Santana, por exemplo, por causa do Instituto do Milênio, tínhamos uma boa relação com pesquisadores da fitoquímica e farmacologia. Parte do material coletado ia para o herbário da UEFS e outra parte mandávamos para a UFBA [Universidade Federal da Bahia], onde se fazia uma triagem das substâncias mais promissoras para doenças do próprio semiárido, como esquistossomose e doença de Chagas. Lá e na Universidade Federal da Paraíba era feita a parte mais detalhada da química. Na Fiocruz, faziam testes in vitro das substâncias mais promissoras, para depois continuar os estudos. No ITV não são instituições diferentes, são mesas contíguas na mesma sala. Posso conversar com um colega e trocar ideias, decidir testar, fazer modelagem ou outras coisas, vamos para o campo juntos. Essa proximidade é algo novo para mim. Tenho todos os equipamentos ali, tenho o Museu Goeldi com o herbário e todos os pesquisadores. Vou dormir, acordo com uma ideia e vou realizar. Tem gente que não gosta desse ambiente, reclama do barulho. Mas para mim não tem problema: basta tirar o aparelho de ouvido e me concentro muito no que estou fazendo.
Os prêmios que você tem recebido, como esse recente da Sociedade Botânica da América, dos Estados Unidos, o que representam neste momento em que está concentrada em avançar na pesquisa científica?
O prêmio foi a minha inclusão como “Corresponding Member” por toda a vida da Sociedade Americana de Botânica, com direito a receber todas as edições do American Journal of Botany. Um reconhecimento importante. Em 2013 recebi uma homenagem do Instituto Smithsonian, dos Estados Unidos, como principal pesquisadora daquele ano na América Tropical. Acho que isso contou bastante na seleção para este prêmio mais recente. Era difícil ganhar como taxonomista, hoje o foco da pesquisa é muito mais em genética. Acho que nos dois casos eles quiseram premiar o avanço que fizemos em sistemática no Brasil. Por isso, ofereci a homenagem a todos os meus alunos, ex-alunos, aos que eles orientaram. Meus filhos, netos e até bisnetos científicos. Mesmo nos bisnetos eu sinto que ainda tem ali o que ensinei. Então acho que é muito mais pelo que formei, que está distribuído no país inteirinho e fora do país, mais do que algo que eu tenha publicado em uma revista de alto impacto. O impacto conjunto é muito mais relevante para o país.
Com isso tudo, suas plantas favoritas ainda são as eriocauláceas?
São, mas não fui eu que escolhi. Ainda no Recife eu tinha aberto uma flor de eriocaulácea. Achei muito difícil, não entendi nada e deixei para lá. Mas o Aylthon Brandão Joly [1924-1975], o maior especialista de algas que já tivemos, decidiu se dedicar a plantas superiores, porque quase ninguém as estudava em São Paulo, e começou um levantamento da flora da serra do Cipó. Eu tinha feito mestrado na USP e voltei a Recife para trabalhar no Instituto Agronômico de Pernambuco, onde havia feito a iniciação científica. Mas meu marido não quis ficar, acabamos voltando a São Paulo e fui perguntar ao Aylthon se eu podia ter uma bolsa da FAPESP para fazer doutorado. Eu queria fazer a revisão do gênero Byrsonima, com que trabalhei no mestrado, mas ele impôs uma condição: que eu estudasse eriocauláceas da serra do Cipó. “Elas são muito bonitas”, ele disse. “E muito difíceis também”, respondi. “É por isso que estou dizendo para você estudar.”
E depois você continuou com elas?
Sim. Acho que tudo aquilo que a gente estuda intensivamente, se apaixona. Se é difícil, melhor ainda. Nanuza trabalhava com veloziáceas, a Walquíria Monteiro com anatomia de eriocauláceas. Íamos para a serra do Cipó com os alunos, como a Marlies e o Ivan Sazima, o João Semir. Aylthon Joly os levou depois para a Unicamp porque estava formando o departamento. Ele quis me levar também, mas meu marido tinha emprego aqui e argumentei que, se eu fosse para Campinas, quem ficaria na USP para dar aula de taxonomia de angiospermas? Mas antes do Aylthon se aposentar na USP, em abril, fomos para a serra do Cipó e ele estava com muita tosse. Chovia muito, então ele disse que ficaria no hotel para fazer uma chave de identificação para as famílias da serra do Cipó sem usar as flores. À noite nos mostrou esse trabalho, um documento precioso. Voltamos para São Paulo e ele continuou com tosse. Faleceu naquele mesmo ano, foi um câncer de pulmão rapidíssimo. Continuei o doutorado sob orientação do Carlos Bicudo, especialista em algas de água doce, e resolvemos continuar o sonho do Aylthon Joly na serra do Cipó. O conhecimento sobre o local cresceu muito e decidiu-se que deveria ser um parque. Os trabalhos que fizemos na USP sempre tinham um objetivo maior e buscávamos transferir o conhecimento para os alunos.
Mas sua situação hoje não fica atrás.
Eu ainda me sinto da USP, de Feira de Santana, da Amazônia e do ITV. Porque em todos esses lugares deixei uma semente que são meus amigos, meus filhos, meus amores. Acho que sou do Brasil, nunca pensei morar fora apesar de ter família por todos os lados. Minha filha mais velha mora em Brasília, o segundo casou com uma espanhola e mora em Sevilha, a terceira casou com um escocês e mora em Munique. E os filhos do Ray, o mais velho vive na França e a outra, na Inglaterra. Juntos, temos 10 netos. Os dele eu também considero meus netos. Gosto de ser avó, de levar presentes para os netos, de estar com eles. Por isso acho que no ano que vem não quero mais ter tantos compromissos – quando assumo um compromisso não gosto de deixar pela metade. No ITV existem várias pessoas que podem tocar o trabalho. Foi a mesma coisa na USP e em Feira de Santana. É preciso perceber quando já não estou contribuindo como contribuía e deixar espaço para que os outros cresçam.





pesquisa
MARIA GUIMARÃES | ED. 260 | OUTUBRO 2017

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A CRIATIVIDADE DOS BRASILEIROS SURGIU EM FUNÇÃO DA ESCASSEZ DE MÃO DE OBRA

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/09/22/inovacao-nos-tempos-do-imperio/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mailing_728
ACESSO:19/10/2017 as 18:32


Inovação nos tempos do Império 

Primeira lei de patentes ajudou a estimular a atividade inventiva no Brasil no início do século XIX

RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE



        A vinda da família real em 1808 para o Brasil colocou o país no centro das decisões políticas da corte portuguesa, que adotou uma série de medidas de incentivo ao desenvolvimento industrial e econômico de sua principal colônia. Entre as ações estava a permissão para a instalação de fábricas, manufaturas e empresas, além de um alvará tratando da questão do privilégio industrial aos inventores e introdutores de novas máquinas no país. O documento, inspirado em leis da Inglaterra e dos Estados Unidos, fez do Brasil uma das primeiras nações a conceder direitos a inventores, abrindo caminho para que mais tarde fosse regulamentada uma legislação específica sobre patentes.
Promulgada em agosto de 1830, a lei é resultado de uma articulação encabeçada pelo engenheiro Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt (1762-1835). Nascido em Santo Antônio de Itacambira, em Minas Gerais, Bittencourt mudou-se para Portugal em 1783 para estudar leis e filosofia natural na Universidade de Coimbra. Graduou-se em 1787, mas não voltou imediatamente ao Brasil. Permaneceu na Europa, onde foi eleito membro de associações científicas como a Academia Real das Ciências de Lisboa e a Real Academia de Ciências de Estocolmo, Suécia. Retornou ao Brasil em 1808 para administrar a Real Extração de Diamantes. Enveredou-se pela política, tornou-se deputado constituinte e, em 1827, senador. É de sua autoria o projeto de regulamentação da norma sobre privilégios industriais, apresentado em julho de 1828.
O projeto, depois transformado em lei, regulamentou os direitos de patentes no Brasil antes mesmo de Portugal, que só o fez em 1837. “Tratava-se de uma legislação inovadora para a época”, comenta o historiador da ciência João Carlos Vannucci, do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), no Rio de Janeiro. “Poucos países dispunham de um arcabouço institucional de proteção de direitos intelectuais.” Apenas Inglaterra, Estados Unidos, França, Rússia, Prússia, Bélgica, Países Baixos e Espanha tinham leis de patentes em vigor.
A lei brasileira pretendia promover o desenvolvimento local de novas máquinas e processos, bem como a introdução de empresas estrangeiras no país. Os pedidos eram depositados no Arquivo Público. Exigia-se que fossem acompanhados de desenhos, memórias ou modelos que ajudassem a explicar o invento. Em seguida, eram submetidos à análise de avaliadores da Junta Real de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Em outros casos, eram enviados à Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, sociedade civil de direito privado fundada em 1831 com o objetivo de fomentar a indústria brasileira. Após uma avaliação inicial, as máquinas e processos eram submetidos a exames mais detalhados para comprovação de sua novidade e utilidade. A patente era concedida gratuitamente ao primeiro a inventar algo. Poderia ter duração de cinco a 20 anos, dependendo de sua importância, sendo que o inventor poderia perder os direitos sobre sua criação caso não a introduzisse no mercado em até dois anos ou se já tivesse obtido uma patente no exterior pela mesma invenção.
“A lei era bastante exigente em termos de novidade”, conta a economista Andrea Felippe Cabello, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Vários países que dispunham de uma lei de patentes concediam direitos de propriedade industrial para cópias ou adaptações de máquinas ou processos patenteados em outros países. “No Brasil isso não era possível”, ela afirma. Andrea e o também economista Luciano Costa Póvoa, consultor legislativo do Senado Federal, fizeram uma análise econômica da primeira lei de patentes brasileira a partir do estudo de 783 patentes concedidas entre 1830 e 1882 no Brasil. A avaliação desses documentos lhes permitiu entender como a atividade inventiva reagiu à instituição de uma lei de patentes no país.
A atividade de patenteamento teve início lento, com poucas patentes concedidas nos primeiros 30 anos de vigência da lei. A situação mudou a partir de 1870, com o início da industrialização, a expansão da cafeicultura e a escassez de mão de obra no campo. “Quase 80% das patentes do século XIX foram concedidas após 1870, também em razão do crescente interesse de estrangeiros em proteger suas invenções no Brasil”, afirma Póvoa.Segundo ele, a atividade inventiva estava conectada à estrutura econômica e social do Brasil, de modo que a escassez de mão de obra estimulou a invenção de muitas máquinas e equipamentos para o setor agrícola, sobretudo no âmbito da atividade cafeicultora, com equipamentos para limpar, descascar e secar os grãos. Muitos requerimentos de patentes foram publicados em O auxiliador da indústria nacional, da Sociedade Auxiliadora. Foram justamente esses os documentos analisados por Vannucci em seu doutorado, defendido em 2016 no Programa de Estudos Pós-graduados em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Sob orientação do físico e historiador da ciência José Luiz Goldfarb, do Centro Simão Mathias da PUC-SP, Vannucci analisou 62 requerimentos publicados em O auxiliador entre 1833 e 1862, como carros movidos a vapor, máquinas para fabricar gelo, extrair caldo de cana, torrar farinha de mandioca e filtrar água. Por meio da análise desses documentos é possível ter uma ideia de como a técnica e a ciência se desenvolviam no Brasil. “Nota-se que os analistas de patentes tinham amplo conhecimento técnico, oferecendo respostas convincentes, baseadas em teorias científicas da época, mesmo aos pedidos submetidos por estrangeiros”, ele explica.
          Muitas invenções foram apresentadas na Primeira Exposição Nacional de Produtos Naturais e Industriais, promovida em 1861, no Rio de Janeiro. A exposição pretendia mostrar ao mundo os progressos técnicos e científicos alcançados pelo país com sua incipiente atividade industrial.  O evento foi um sucesso de público, segundo a imprensa da época. Durante seus 46 dias de duração, cerca de 50 mil pessoas visitaram a exposição no prédio da Escola Central do Largo São Francisco. Dentre as principais invenções apresentadas, destaca-se a chamada máquina de taquigrafia, concebida pelo padre paraibano Francisco João de Azevedo (1814-1880), precursora da máquina de escrever moderna. Havia também objetos de grandes dimensões, como uma bomba de incêndio, exposta pela Companhia de Iluminação de Gás do Rio de Janeiro, e um modelo de locomotiva, desenvolvida no Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da Ponta d’Areia, em Niterói, também no Rio. 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Até os químicos dos livros podem ser perigosos.....

Matéria aborda uso de app para esclarecer dúvidas sobre uso de substâncias químicas em objetos do dia-a-dia.


DISPONÍVEL: https://nit.pt/fit/saude/uma-aplicacao-que-lhe-diz-se-produtos-tem-quimicos-perigosos
ACESSO: 16/10/2017 as 16:04

QUÍMICA NA CABEÇA

Excelente livro de experimentos para serem realizados em feiras de Ciências.


https://books.google.com.br/books?id=YPTnPpZmopYC&hl=pt-BR&pg=PP1#v=onepage&q&f=false

O QUE EINSTEIN DISSE AO COZINHEIRO 2

Dando continuidade a leitura, estamos disponibilizando o volume 2. Lembro que a abordagem não é sequencial, isto é, não há necessidade de lê o volume 1 para iniciar o volume 2. Abraços e boa leitura.

https://drive.google.com/open?id=0B3CA7zPHVcKJOXgyWTU1NUxSeXc

O QUE EINSTEIN DISSE A SEU COZINHEIRO 1

Eis que em um evento assisti a palestras muito interessantes. Uma dela, sobre o conteúdo desse livro.....
Dessa forma, estou disponibilizando o link para que possa ser baixado. Abraços e excelente leitura.

https://drive.google.com/open?id=0B3CA7zPHVcKJU1VNXzg3RGZOd3M

15 de Outubro em 16 de Outubro

http://www.revistapazes.com/voce-sabe-como-surgiu-o-dia-do-professor/

Olá pessoal, desculpem o atraso. Mas ontem estava em trânsito e acabei não tendo acesso a net quando cheguei.
Participo de alguns grupos em watsap e achei esse material interessante. Confesso que desconhecia.
Espero que vocês gostem e que aceitem minhas felicitações, mesmo em tempos dificeis, há ainda de acretitarmos que vale a pena!
Abraços.