terça-feira, 30 de junho de 2015

FAZENDO SABÃO





ACESSO: 30/06/2015 as 12:30h


Sabão caseiro: 10 receitas descomplicadas
Em todas as receitas é muito importante lembrar que a soda cáustica é um produto tóxico e corrosivo, precisa ser manuseada com cuidado e utilizando luvas, máscara e óculos de proteção. No processo para diluir a soda em qualquer produto líquido, a mistura solta um gás que pode ser tóxico, por isso, tome muito cuidado.
Mantenha sempre as crianças longe da preparação dos sabões. Todas as receitas usam produtos tóxicos ou quentes.                                                         Foto: Thinkstock
1. Sabão líquido com óleo e álcool: o mais rápido
  • 2 litros de óleo de cozinha usado
  • 2 litros de álcool
  • 1/2 kg de soda em flocos ou escamas
Em um balde misture o álcool e a soda, depois, acrescente o óleo e mexa até fica homogêneo. Aguarde aproximadamente 30 minutos e acrescente dois litros de água fervente e dissolva o conteúdo.
Depois, misture 20 litros de água em temperatura natural. Guarde em recipientes. Este sabão é ótimo para limpeza geral.
2. Sabão em barra com óleo e álcool: o mais famoso
  • 1 kg de soda cáustica em flocos
  • 2 litros de água
  • 4 litros de óleo de cozinha
  • 1 litro de álcool
  • 5 ml de essência
Se preferir, você pode colocar elementos decorativos, como ervas aromáticas, especiarias, flores secas, conchas etc.
Coloque no balde a soda cáustica e adicione lentamente 2 litros de água quente. Misture com muito cuidado utilizando a colher de pau até a soda cáustica dissolver completamente. Junte os 4 litros de óleo e continue mexendo por 20 minutos.
Acrescente o álcool e a essência. Se quiser, este é o momento para colocar elementos de decoração. Misture até obter uma pasta consistente.
Despeje o conteúdo em um caixote de madeira forrado com um pano ou em formas, espalhe bem e acomode a pasta dentro do recipiente. Deixe secar por no mínimo 24 horas. Após a secagem, corte o sabão no tamanho desejado e enrole os pedaços em papel filme.
3. Sabão com óleo e amaciante: o mais cheiroso
  • 5 litros de óleo de cozinha usado
  • 2 litros de água
  • 200 ml de amaciante para roupas
  • 1 kg de soda cáustica em flocos
Coloque a soda cáustica em um balde, em seguida, coloque a água fervendo e mexa até que a soda seja diluída. Acrescente o óleo aos poucos, em seguida coloque o amaciante e misture bem. Coloque em recipiente para secar e depois corte em tabletes.
4. Sabão com álcool, óleo e sebo: o mais trabalhoso
  • 5 litros de água
  • 4 litros de sebo derretido
  • 4 litros de álcool combustível
  • 2 litros de óleo de cozinha
  • 1 kg de soda cáustica em flocos ou escamas
  • 500 ml de desinfetante a base de eucalipto
  • 30 ml de essência aromatizante
Em uma vasilha plástica grande coloque a água e a soda até dissolver bem. Acrescente o álcool mexendo sempre com um pedaço de madeira e devagar. Cuidado para não derramar a mistura sobre a pele. Junte o desinfetante sem parar de mexer.
Adicione o óleo aquecido mexendo sempre, após alguns minutos acrescente devagar o sebo derretido. Mexa por aproximadamente 45 minutos ou até formar uma substância parecida com parafina.
Coloque a essência e mexa por mais 5 minutos. Despeje em uma forma para esfriar por aproximadamente 12 horas.
5. Sabão com óleo e detergente: o mais econômico
  • 6 litros de óleo usado
  • 1 litro de soda cáustica líquida
  • 1 litro de detergente de coco
Despeje todo o conteúdo em um recipiente plástico. Não mexa. Despeje o conteúdo em outro recipiente e troque de recipiente, passando de um para o outro por quatro vezes. Não passe mais vezes, pois a mistura endurece e fica difícil tirar do recipiente. Despeje em uma caixa de papelão e espere até secar.
Foto: Thinkstock
6. Sabão com óleo e coco: o sabão de coco caseiro
  • 2 litros de óleo de cozinha
  • 500g de soda cáustica
  • 2 cocos secos frescos
  • 700 ml de água
  • 125 ml de álcool
Bata no liquidificador a água e o coco até virar uma massa de grãos bem finos ou um creme homogêneo. Ferva este creme até reduzir a 3/4 da quantidade inicial, transformando-o em um creme de coco.
Esquente o óleo em uma panela, e coloque junto com o creme de coco em um balde. Acrescente a soda cáustica e misture até diluí-la completamente. Misture o álcool e mexa por 40 minutos.
Despeje o conteúdo em um recipiente liso forrado com papel manteiga. Aguarde endurecer e corte em tabletes.
7. Sabão em garrafa PET: o mais seguro
  • 1 litro de óleo de cozinha usado
  • 200 ml de água
  • 240 ml de soda cáustica líquida
Utilizando um funil, coloque dentro da garrafa pet o óleo, a água e por último a soda cáustica. Balance um pouco a garrafa para que os produtos se misturem e tampe. Aguarde até que endureça, corte a garrafa em fatias do tamanho desejado e desenforme o sabão.
8. Sabão de abacate: o que pode ser usado na pele
  • 5 kg de polpa de abacate
  • 1/2 kg de sebo derretido ou banha
  • 400 g de soda cáustica
  • 150 g de breu (encontrado em ferragens ou casas de produtos químicos)
Quando o abacate estiver maduro, corte-o no meio e separe o caroço e a casca da massa. Coloque toda a massa em uma vasilha limpa e acrescente a soda, o sebo e o breu. Mexa durante uma hora. Coloque numa caixa forrada com plástico ou em formas e deixe no mínimo 24 horas para secar. Corte em barras.
Para obter maior consistência, deve-se acrescentar duas ou três colheres de sopa de farinha de milho ou cinzas.
Antes de usar na pele, espere pelo menos um mês, o tempo faz com que o poder corrosivo da soda cáustica neutralize. O abacate possui óleos importantes, benéficos para a pele.
9. Sabão de cinzas: o melhor para lavar roupas brancas
  • 5 kg de sebo
  • 2,5 kg de cinzas
  • 5 litros de água
  • 1/2 kg de soda cáustica
Derreta o sebo em fogo baixo até ficar uniforme. Ferva a água com as cinzas por 4 horas, deixe que elas assentem e use somente a água para juntar ao sebo. Mexa bem. Junte a soda bem devagar e já fora do fogo mexa bem até dissolver.
A cinza tem um alto poder branqueador. Para clarear panos de prato e toalhas de banho coloque-as de molho ensaboadas em um balde com uma “trouxinha” de cinzas. Lave normalmente no dia seguinte.
10. Sabão de erva doce e limão: o que não usa nem óleo, nem soda
  • 50g de erva doce
  • 1 litro de água
  • 1 sabão de coco ou caseiro
  • 1 colher de sal
  • 1 casca de limão
Liquidifique o limão e o sal em pouca água, coe em um coador de pano e reserve. Rale o sabão e coloque para ferver junto com a água e a erva doce até que formem uma mistura única. Lembre-se de não usar uma panela de alumínio.
Quando o sabão derretido estiver morno, misture o suco da casca de limão e coe tudo. Mexa devagar e guarde em um pote fechado por uma semana antes de usar.
Vale lembrar que é imprescindível tomar todo cuidado possível ao preparar as receitas com água quente e soda cáustica para evitar acidentes domésticos. A soda é um corrosivo e pode causar danos gravíssimos.



 

terça-feira, 16 de junho de 2015

MOSQUITO MASCARADO.....

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/06/14/um-vilao-de-muitas-caras/
ACESSO: 16/06/2015 as 15:03h

Não foi a praia que atraiu o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e o doutorando Julian Villabona-Arenas ao Guarujá, no litoral sul de São Paulo, no verão de 2012-2013. Eles estavam acompanhando os casos de dengue no município, selecionado pela proximidade com a metrópole paulistana, e analisando a genética dos vírus para reconstruir a malha de transmissão entre pessoas. As análises mostraram que dois bairros, Pae Cará e Enseada, eram os focos principais da doença, que deles se espalhava para outros pontos da cidade. O trabalho dos pesquisadores chamou a atenção de uma funcionária do departamento de vigilância sanitária local, que percebeu a preciosidade de saber onde estavam os casos com vírus ativos e convocou uma unidade de fumigação – o chamado “fumacê” – para matar mosquitos nesses locais. “Foram na cabeça do dragão e deram o tiro”, diz Zanotto. Depois disso, os mapas mostram uma situação mais fácil de controlar, com casos isolados. “É isso que precisa ser feito em todos os municípios”, preconiza, ao mesmo tempo que ressalta a necessidade de combinar vacinas a diferentes formas de controle do mosquito transmissor da doença.
O trabalho do grupo de Zanotto vem apontando caminhos para o combate à dengue e sublinhando o risco crescente das epidemias. Um motivo de alerta é a presença dos quatro sorotipos do vírus que eles observaram em Guarujá naquele verão, como mostra artigo de 2014 na PLoS Neglected Tropical Diseases. Provavelmente tem impacto a proximidade do porto de Santos, onde mosquitos e vírus desembarcam como passageiros clandestinos. Em Jundiaí, muito próxima à Região Metropolitana de São Paulo, os pesquisadores encontraram apenas os sorotipos 1 e 4, mas isso não chega a ser um alívio. Em conjunto, os dois municípios já revelavam que a capital paulista está sujeita a múltiplos vírus, criando uma situação conhecida como hiperendemicidade, que aumenta o risco de uma pessoa ser infectada várias vezes, com maior risco de casos do tipo hemorrágico. “A presença dos quatro sorotipos em um surto numa das áreas mais densamente povoadas no Brasil é um achado perturbador”, afirma Villabona-Arenas. “Essa cocirculação só havia sido documentada em países do sudoeste da Ásia há décadas e mais recentemente na Índia, sempre associada à maior gravidade de doença entre crianças.”
De fato, os números mais recentes não permitem relaxar, embora o medo imediato do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, comece a ficar em segundo plano com a chegada do frio e da seca, que não favorecem o desenvolvimento das larvas. A região Sudeste foi palco de 66% dos quase 746 mil casos registrados pelo Ministério da Saúde no país inteiro desde o início de 2015 até 18 de abril. É menos do que foi registrado em 2013, mas bem mais do que em 2014. Nesse total há uma gradação de gravidade – há quem mal sinta sintomas, outros têm febre alta e persistente e passam longos dias prostrados com fortes dores no corpo e náuseas que tornam impossível seguir a prescrição médica de tomar muito líquido. Nesse período, foram confirmados 414 casos graves e 5.771 com sinais de alarme, as categorias que exigem atenção médica. Bem mais do que no ano anterior, com uma alta proporção no estado de São Paulo. Entre os fatores de gravidade estão danos ao fígado e uma queda alarmante na concentração de plaquetas no sangue, que pode transformar qualquer lesão microscópica em uma hemorragia.
Para Zanotto, os números e a situação de hiperendemicidade indicam uma progressão alarmante da doença. “A dengue está apenas começando no Brasil”, avalia, com base num gráfico do número de casos desde 1995, que prevê uma escalada abrupta a partir de agora. Significa, em sua opinião, que os esforços contra as epidemias devem se tornar mais eficazes. “Deveríamos fazer como o corpo de bombeiros, que age em focos de incêndio, visando contê-los antes que se espalhem e escapem do controle.”
Os estudos de Zanotto em municípios paulistas como Guarujá, Jundiaí e São José do Rio Preto localizam focos de dengue em áreas com indicadores socioeconômicos mais baixos. Mas concentrar esforços nas favelas não basta, conforme mostra estudo do biólogo Ricardo Vieira Araujo, hoje funcionário da Coordenação de Mudanças Globais do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), publicado este ano na revista Brazilian Journal of Infectious Diseases. Em São Paulo, ele mostrou que em partes da cidade com temperatura superficial do solo significativamente mais alta, onde há baixa umidade, pouca cobertura vegetal e altos níveis de impermeabilização do solo – as ilhas de calor – há maior incidência de dengue.
Entre 2009 e 2013, Araujo trabalhava na Coordenação de Vigilância em Saúde de São Paulo, no monitoramento de doenças transmitidas por vetores e zoonoses na cidade. “Eu me perguntava por que uma favela na zona sul registrava tantos casos, enquanto em outra comunidade na zona norte, por exemplo, com características semelhantes, os números eram muito menores”, explica. Nesse mesmo período, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente concluiu um mapeamento de temperatura superficial do solo que apontava as ilhas de calor na capital. “Mas muitos dos pesquisadores ponderavam que as próprias ilhas estariam em regiões com indicadores socioeconômicos mais baixos, com uma densidade populacional maior. Então talvez a causa não estivesse nas temperaturas, mas nas condições sociais e demográficas.”
Para distinguir entre os fatores, foi necessário lançar mão de uma série de informações. O censo de 2010 do IBGE permitiu calcular a população, a densidade populacional, a renda média e o modo predominante de ocupação urbana nos 96 distritos administrativos de São Paulo. Os dados também indicavam onde estavam favelas, ocupações e cortiços. Com imagens de satélite foi possível analisar a cobertura vegetal, assim como criar um mapa com as temperaturas médias de superfície de toda a cidade. Os registros de casos autóctones de dengue vieram da Coordenação de Vigilância em Saúde, que entre 2010 e 2011 registrou cerca de 7.400 casos.
A integração das informações mostrou que 93% dos casos ocorreram onde a temperatura superficial média passava dos 28 graus Celsius (°C). Nas regiões com maior cobertura vegetal o número de casos por 100 mil habitantes era de apenas 3,2, diante de 72,3 nas menos arborizadas. Somando tudo, o tipo de ocupação parece influenciar menos a incidência de dengue do que a temperatura, no período analisado.
© LÉO RAMOS
O brilho verde na cabeça e na cauda das larvas é o marcador que indica os insetos geneticamente modificados
O brilho verde na cabeça e na cauda das larvas é o marcador que indica os insetos geneticamente modificados
O estudo foi mais a fundo e incluiu também um experimento em laboratório com duas linhagens de A. aegypti: uma usada rotineiramente pelos pesquisadores e outra obtida de ovos colhidos no campus da USP. Ficou clara a influência da temperatura: quando alcança os 32°C, mais de 90% das larvas do inseto já viraram adultas.
O pesquisador alerta que os mapas das ilhas de calor não são estáticos e seria necessária uma atualização constante dos dados. Mesmo assim, ele considera importante que os profissionais de saúde e de infraestrutura urbana atuem de forma integrada. “Aumentar as áreas verdes é uma possibilidade. Mas vale lembrar outras alternativas, como as adotadas em vilarejos do litoral do mar Mediterrâneo, onde as casas são pintadas de branco como forma de amenizar o calor. Precisamos usar os recursos que temos para combater a dengue de forma estratégica e integrada”, pondera.
Vírus aladoUm dos recursos existentes para o combate ao mosquito é o uso de inseticidas, como no caso do Guarujá. O problema é que, por ser a estratégia mais utilizada, o A. aegypti desenvolveu resistência aos inseticidas mais comuns, à base de piretroides, assim como não se espantam com a maior parte dos repelentes e continuam a rondar, com seu voo nervoso, as vítimas lambuzadas. Durante o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, a bióloga Maria de Lourdes Macoris monitorou uma série de populações de mosquitos no interior paulista e verificou que, mesmo após 15 anos sem piretroides, a resistência se manteve. “O uso de inseticidas selecionou as populações resistentes”, explica o biólogo Paulo Ribolla, orientador do trabalho. “Algumas prefeituras já estão usando outros produtos, com maior sucesso.” Em seu laboratório, ele agora está implementando tecnologia para produzir mosquitos mutantes e investigar quais são os genes responsáveis pela resistência.
Na corrida evolutiva com os mosquitos, é necessário buscar novos inseticidas que sejam eficazes e atuem de modo abrangente nos criadouros. Esse objetivo move desde 2007 o grupo de pesquisa coordenado pelo engenheiro químico Eduardo José de Arruda, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em Mato Grosso do Sul. “Fizemos um levantamento com o Aedes e com o pernilongo Culex quinquefasciatus, e constatamos que os insetos já apresentam resistência a algumas classes de inseticida”, diz Arruda. “Pode-se até matar todos os adultos de uma geração. Mas os ovos deixados nos criadouros, apesar da perda de viabilidade, poderão eclodir e repor a população em questão de meses.”
© LÉO RAMOS
Depois de alinhados, os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
Depois de alinhados…
“As classes de inseticidas para as quais há resistência não deveriam mais ser usadas no controle”, diz Arruda, que ressalta os custos econômicos e ambientais da quantidade crescente necessária. O grupo coordenado por ele busca, junto com parceiros de outras universidades, a síntese e caracterização de compostos multifuncionais, que impedem a eclosão dos ovos e matam as larvas. Também destroem as bactérias, fungos e protozoários que constituem a dieta dos mosquitos, e podem interferir na comunicação química que atrai as fêmeas aos criadouros onde depositam os ovos. A ideia é encontrar estratégias para o controle de duas ou três gerações do inseto ao mesmo tempo e quebrar a sua dinâmica reprodutiva.
Por serem mais abrangentes os compostos multifuncionais exigem cuidados. Durante o mestrado na UFGD, Taline Catelan analisou os efeitos de quatro inseticidas fenólicos sobre ovos de Aedes e em Artemia salina, um pequeno crustáceo que vive na água. “A Artemia serve como um indicador dos eventuais danos aos mananciais”, diz Arruda. O estudo, publicado este ano na Advances in Infectious Diseases, mostrou que um dos compostos impediu completamente a eclosão dos ovos do mosquito, mas afetou as populações de Artemia.
Ainda mais promissores são os resultados dos estudos com metalo-inseticidas, que contêm cobre ou ferro. Os compostos desencadeiam uma reação de estresse oxidativo que pode causar danos letais nas células e nos tecidos. “É como se usássemos um cavalo de Troia para levar o composto para o interior das células, e o metabolismo ativo do inseto produzisse in situ o inseticida”, diz Arruda.
Dormindo com o inimigoCom a eficácia incerta dos inseticidas, é necessário buscar outras armas. O laboratório da bioquímica Margareth Capurro, do ICB-USP, concentra-se diretamente nos pequenos insetos de pernas listradas, de uma maneira inusitada: produzindo milhares e milhares deles para soltar no ambiente. “Virei uma consultora mundial em produção de mosquitos em massa”, conta a pesquisadora, que durante a elaboração desta reportagem viajou à China exatamente para isso. Numa fábrica localizada em Juazeiro, na Bahia, Margareth trabalhou com a Moscamed Brasil para implementar a produção de uma linhagem desenvolvida pela empresa britânica Oxford Insect Technologies (Oxitec). Esses mosquitos geneticamente alterados acumulam uma proteína que faz as células das larvas entrarem em colapso, de maneira que não chegam à fase adulta (ver Pesquisa FAPESP nº 180). No ano passado, sua equipe publicou no Journal of Visualized Experiments um vídeo mostrando como é a produção, inclusive a laboriosa separação de pupas masculinas e femininas por tamanho (as fêmeas são maiores).
© LÉO RAMOS
Depois de alinhados, os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
… os ovos recebem injeções que induzem modificações genéticas
A separação é necessária porque apenas os machos, que não picam e não carregam o vírus, são liberados na natureza para cruzar com as fêmeas selvagens, produzindo a descendência modificada e inviável. Para conseguir essa produção, toda a infraestrutura e logística foi cedida pela Moscamed. A empresa também fechou parcerias com o Ministério da Saúde e a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, que têm contribuído para financiar a iniciativa. No início, a equipe tinha até jornalista para ajudar na comunicação com a população local. “Não podíamos chegar na cidade soltando mosquitos”, diz Margareth. “Entramos na casa das pessoas para conversar e explicar o projeto; usamos rádio, televisão, comunicação local.”
Mas não é porque a produção existe que a pesquisa termina. Os mosquitos da Oxitec continuam a ser testados em laboratório para ver como o vírus da dengue se comporta no hospedeiro. Com esse conhecimento, é preciso sempre voltar a campo, num processo constante. “No potinho tudo funciona, mas no ambiente o mosquito alterado voa tanto quanto o selvagem?”, questiona a pesquisadora. Voa, ela já observou. Outro problema é produzir machos compatíveis com a população feminina do sertão baiano. No laboratório eles crescem demais, como qualquer animal alimentado à vontade sem necessidade de esforço. Foi preciso encontrar o número de larvas que devem se desenvolver num determinado volume de água, e quanto alimento devem receber.
Os testes em Juazeiro, até 2013, e Jacobina, que começaram nesse mesmo ano, têm mostrado que o sistema funciona, apesar de alguns percalços. “A frequência de cópula é mais baixa, por isso temos que aumentar a quantidade de mosquitos.” A liberação deve ser constante, mas com ajustes semanais à população dos insetos. Com os transgênicos, a quantidade deles diminuiu na cidade toda. Mas Margareth alerta que é preciso manter os esforços na busca por criadouros.
A parceria com os agentes de saúde indicou a necessidade de melhorar o procedimento. “Eles encontram criadouros com larvas e não têm como saber se são viáveis”, diz a pesquisadora. O jeito foi investir em desenvolver machos estéreis no laboratório. Como a fêmea copula apenas uma vez na vida e armazena o líquido seminal, basta um encontro com macho estéril para não ser capaz de produzir prole. Mas essa linhagem transgênica ainda não está no ponto, com apenas entre 30% e 40% de esterilidade. É preciso mais tempo de cruzamentos controlados para se chegar ao produto final, segundo explica Margareth.
Outra manipulação genética em desenvolvimento visa impedir o nascimento de fêmeas, um processo chamado de reversão sexual que produz uma linhagem inteiramente masculina. Isso aumentaria a produtividade da fábrica, já que atualmente 50% das larvas são fêmeas e há uma perda no processo de separação das pupas. “Perdemos entre 15% e 25% dos machos”, relata a pesquisadora. Se os duplos transgênicos, estéreis e com reversão sexual, funcionarem, não é só a produtividade que melhorará. Atualmente é preciso transportar as larvas de machos em carros refrigerados até Jacobina. Se houver a certeza de que só se produzem machos, será possível enviar pelo correio folhas de papel com os ovos aderidos.
Os resultados são promissores, mas podem não ser suficientes. “Se eliminarmos o mosquito, a dengue acaba; se apenas reduzirmos a população, depois de uns anos a doença volta a atacar”, explica Margareth. É o que aconteceu em Cingapura no início da década passada. Com um número reduzido de mosquitos, a proporção de insetos infectados aumenta. Como a resistência humana também cai sem exposição ao vírus, o risco é de uma ressurgência forte da epidemia.
Por isso, Margareth e o doutorando Danilo Carvalho propõem um combate ao mosquito em duas fases, conforme explicam em artigo de 2014 na Acta Tropica. A ideia seria, depois de reduzir a população com machos estéreis, liberar uma segunda linhagem, atualmente em estudo no laboratório, portadora de uma mutação que permitiria ao mosquito reconhecer as células do próprio sistema digestivo, nas quais os vírus começam a se replicar, e destruí-las.
Batalha internaPor mais que se combatam os mosquitos, a doença não será facilmente erradicada e requer a ajuda do sistema imunológico. A iminência de uma vacina tem sido alardeada, mas não deve estar disponível de imediato. A mais próxima é a produzida pelo laboratório francês Sanofi Pasteur, que aguarda aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para entrar no mercado brasileiro em 2016. Mas sua eficácia não convence o microbiologista Luís Carlos de Souza Ferreira, do ICB-USP. Ele explica que a base dessa vacina é do vírus da febre amarela. Apenas uma parte do genoma responsável pelas proteínas estruturais pertence ao vírus da dengue.
“Acreditava-se que fosse suficiente, porque é com base nessas proteínas que os anticorpos reconhecem o invasor”, explica. Mas seu grupo e outros têm mostrado que, no caso da dengue, quando os níveis desses anticorpos são baixos ou eles são pouco eficientes, os vírus remanescentes são conduzidos para as células onde se replicam. Destruir essas células é tarefa dos linfócitos T, e o alvo principal são outras proteínas do vírus – as não estruturais. “Nossas pesquisas têm mostrado que a resposta dos linfócitos T é importante na dengue”, conta. Segundo ele, isso não acontece na vacina produzida pela Sanofi Pasteur.
Uma das linhas de pesquisa de Ferreira busca justamente produzir uma vacina baseada numa dessas proteínas, a NS1. Famosa por ser o marcador que indica que uma pessoa cheia de dores no corpo está infectada com o vírus da dengue, a proteína tem se mostrado um bom alvo, como relata um artigo de revisão de 2014 na Virus Research. “Produzimos o NS1 em bactérias e purificamos para usar como componente da vacina”, conta Jaime Henrique Amorim, pesquisador de pós-doutorado e primeiro autor do artigo. “Conseguimos 50% de proteção nos testes em camundongos; é uma formulação promissora, embora ainda muito longe de se tornar um produto aplicável a seres humanos.”
Além dessa faceta mais aplicada, outra vertente dos estudos conduzidos no laboratório  busca entender o padrão da resposta imunológica. Esse enfoque pode avaliar e aconselhar o desenvolvimento de outras vacinas, e leva Ferreira e Amorim a considerar mais promissora a vacina que está em fase de testes clínicos no Instituto Butantan. “Estudos feitos nos Estados Unidos mostraram que essa vacina, baseada em formas atenuadas dos quatro tipos virais da dengue, provoca uma resposta parecida com a de pessoas que foram infectadas e conseguiram neutralizar o vírus”, explica Amorim.
Produzida no Brasil, a vacina foi desenvolvida nos Estados Unidos, nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH). “Neste momento estamos finalizando a fase 2 de estudo clínico”, conta o médico Alexander Precioso, diretor do Laboratório Especial de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan. Ele espera ter todos os resultados colhidos, analisados e divulgados ainda este mês.
De acordo com Precioso, 300 pessoas já foram testadas, mostrando que a vacina é segura. Esses resultados levaram o Butantan a enviar à Anvisa o pedido de autorização para o início da fase 3 antes mesmo de ter todos os dados coletados da etapa anterior. “Precisamos iniciar o quanto antes o recrutamento de voluntários para conseguir vacinar antes da próxima sazonalidade”, explica o médico. Se tudo correr bem, isso permitiria iniciar a aplicação da vacina assim que a fase 2 esteja concluída. Esse cronograma permitiria que a reação imunológica à vacina fosse posta à prova no próximo verão, estação em que acontecem os surtos de dengue em várias regiões do país. Depende de conseguirem recrutar os voluntários, que devem ser 17 mil pessoas em todo o país, das características do próximo surto e de como será a resposta dos imunizados. O plano do Butantan é solicitar o registro da vacina assim que os dados de eficácia forem demonstrados e manter o acompanhamento dos participantes por pelo menos cinco anos, para avaliar a durabilidade da resposta imunológica e definir a necessidade e frequência de reforços da vacina.
Parece haver um consenso: não há solução única, em termos de estratégia nem de geografia. Em cidades como o Rio e São Paulo, a maior incidência acontece no verão, em que há mais chuvas e a temperatura é elevada. Já no Nordeste é na seca que a doença atinge mais pessoas, quando a estiagem leva os moradores mais pobres a armazenar toda a água que puderem, dando origem a criadouros de A. aegypti. As autoridades sanitárias precisam, por isso, avaliar cada município para estabelecer as estratégias de combate.
De qualquer maneira, a ação precisa ser multifacetada, com vacinas e combate aos mosquitos de vários tipos. Paolo Zanotto defende que se recolham dados de forma redundante para maximizar a eficácia das intervenções, com ação do governo, das universidades e da iniciativa privada. A integração e disseminação de informação validada independentemente é o que pode permitir uma ação concertada para prevenir epidemias e dirigir a intervenção para economizar recursos. Se as situações de risco fossem bem conhecidas, não seria necessário, por exemplo, vacinar a população inteira, defende o virologista. “O que eu faço teria maior impacto se houvesse interação institucional efetiva. Está na hora de pensar diferente e agir de forma integrada: sem superposição há lacunas.”
 
Projetos
1. Avaliação e melhoramento de linhagens transgênicas de Aedes aegypti para controle de transmissão de dengue (nº 2013/19921-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Margareth Capurro Guimarães (ICB-USP); Investimento R$ 310.817,00 (FAPESP).
2. Dengue: produção de lotes experimentais de uma vacina tetravalente candidata contra dengue (nº 2008/50029-7); Modalidade Programa Pesquisa para o SUS; Pesquisador responsável Isaias Raw (Instituto Butantan); Investimento R$ 1.926.149,72 (FAPESP/CNPq-PPSUS).
3. Filogeografia do vírus da dengue nos municípios de Jundiaí e Guarujá no estado de São Paulo (nº 2010/19059-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Paolo Marinho de Andrade Zanotto (ICB-USP); Investimento R$ 229.608,82 (FAPESP).
4. Estratégias vacinais voltadas para o controle da dengue baseadas em proteínas recombinantes e adjuvantes de natureza microbiana (nº 2011/51761-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luís Carlos de Souza Ferreira (ICB-USP); Investimento R$ 813.542,17 (FAPESP).
 
Artigos científicos
AMORIM, J. H. et al. The dengue virus non-structural 1 protein: Risks and benefits. Virus Research, v. 181, p. 53-60. 6 mar. 2014.
ARAUJO, R. V. et al. São Paulo urban heat islands have a higher incidence of dengue than other urban areas. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 19, n. 2, p. 146-55. mar-abr. 2015.
CATELAN, T. B. S. et al. Evaluation of toxicity of phenolic compounds using Aedes aegypti (Diptera: Culicidae) and Artemia salina. Advances in Infectious Diseases, v. 5, n. 1, p. 48-56. 28 fev. 2015.
CARVALHO, D. O. et al. Two step male release strategy using transgenic mosquito lines to control transmission of vector-borne diseases. Acta Tropica, v. 132 supl, p. S170-7. abr. 2014.
MACORIS, M. L. G. et al. Impact of insecticide resistance on the field control of Aedes aegypti in the State of São Paulo. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 47, n. 5, p. 573-8. set-out 2014.
VILLABONA-ARENAS, C. J. et al. Detection of four dengue serotypes suggests rise in hyperendemicity in urban centers of Brazil. PLoS Neglected Tropical Diseases. 27 fev. 2014.

sábado, 13 de junho de 2015

VÍRUS CHIKUNGUNYA: UMA NOVA AMEAÇA

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2015/325/virus-chikungunya-uma-nova-ameaca/view
ACESSO: 13/06/2015 as 23:38h

Transmitida pelo mosquito 'Aedes aegypti', que também atua como vetor da dengue, a nova doença se espalha pelas Américas e já teve casos de transmissão registrados no Brasil. 
Vários fatores têm contribuído para a ocorrência de surtos localizados ou amplas epidemias causadas por arbovírus – termo derivado da denominação, em inglês, dos vírus transmitidos por artrópodes (arthropod-­borne virus). São exemplos o enorme deslocamento de pessoas em todo o planeta, a rapidez das viagens, a expansão da ocupação humana, a destruição de ambientes naturais e o aquecimento global. Além disso, o genoma dos arbovírus, composto por ácido ribonucleico (RNA), apresenta alta taxa de erros em sua replicação, aumentando a frequência de mutações que podem facilitar a adaptação desses vírus a variadas condições.
O chikungunya, um arbovírus de origem africana, é uma dessas novas ameaças à saúde humana. O primeiro surto documentado causado por esse vírus ocorreu em 1952 e 1953, na Tanzânia. Periodicamente, pequenos surtos são registrados na África, na Índia e no Sudeste Asiático, mas, a partir de 2004 e 2005, grandes epidemias ocorreram no Quênia (também na África), em diversas ilhas do oceano Índico e na Índia. Os últimos 10 anos mostraram uma dispersão global do vírus: nesse período, mais de 6,5 milhões de casos foram notificados. De doença tropical negligenciada, a febre chikungunya tornou-se um risco global à saúde. 
No final de 2013 foram detectados os primeiros casos, nas Américas, de infecção autóctone – quando a transmissão ocorre por meio de mosquitos nativos. A partir do final de 2014, a febre chikungunya se dispersou para a maior parte das ilhas do Caribe e para países da América Central, do Norte e do Sul, incluindo o Brasil. Desde a chegada do vírus às Américas, a Organização Panamericana da Saúde contabiliza 1,3 milhão de casos suspeitos, com 29,7 mil casos confirmados e 184 mortes.
No Brasil, Amapá, Bahia, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais e Roraima já notificaram casos autóctones. O alto índice de infestação pelos principais mosquitos transmissores (Aedes aegypti e Aedes albopictus), a falta de imunidade da população brasileira e o alto número de vírus no sangue na fase aguda da doença em humanos não permitem descartar a probabilidade de grandes epidemias no país.

O vírus e a transmissão

O vírus chikungunya (ou VCHIK) pertence ao gênero Alphavirus e à família Togaviridae. Seu genoma do tipo RNA tem uma cadeia simples de cerca de 11,7 mil nucleotídeos (as unidades das moléculas genéticas), que contêm instruções para a síntese de proteínas, tanto as necessárias à replicação viral quanto as que formam os envoltórios virais (o capsídeo, interno, e o envelope externo).
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Transmissões autóctones do vírus foram registradas em diversos países das Américas, inclusive no Brasil. A transmissão é facilitada pela grande presença do seu vetor, o 'A. aegypti'. (imagem: Reprodução)
O VCHIK tem dois ciclos de transmissão. No ciclo silvestre, a transmissão ocorre entre mosquitos do gênero Aedes e macacos ou pequenos mamíferos. No ciclo urbano (endêmico ou epidêmico), a transmissão se dá entre mosquitos e humanos. Acreditava-se, até recentemente, que apenas o A. aegypti transmitia o chikungunya, mas o A. albopictus também adquiriu essa capacidade, graças a uma mutação no gene associado a uma das proteínas do envelope (detectada em estudos genéticos). 
No Brasil, essas duas linhagens do vírus já foram encontradas, o que amplia sua capacidade de dispersão, já que o A. albopictus tem ampla distribuição e hábitos diurnos, como o A. aegypti, mas é mais agressivo, vive mais tempo, resiste a temperaturas mais baixas e pode ocorrer em cidades ou áreas rurais.
  Claudia Nunes Duarte dos Santos 
Instituto Carlos Chagas/ Fiocruz PR
 

LEVITAÇÃO E MAGNETISMO

DISPONÍVEL: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2015/325/levitacao-e-magnetismo/view
ACESSO: 13/06/2015 as 23:18h
 
O projeto brasileiro do MagLev, trem de passageiros que funciona por meio da tecnologia de levitação magnética, envolve importantes conceitos de física. Professor explica na revista Ciência Hoje (CH) os fenômenos que permitem a esse veículo se mover sem tocar nos trilhos. 
Wingardium leviosa”, o encanto da levitação, é uma das primeiras magias que os alunos de Hogwarts aprendem a conjurar na famosa série de livros que narra as aventuras do aprendiz de bruxo Harry Potter. Mas, no mundo dos ‘trouxas’ (o mundo real), levitar requer um pouco mais de engenho: é preciso exercer alguma força de baixo para cima naquilo que se quer fazer levitar, compensando a força da gravidade.Um livro pousado sobre uma mesa está levitando: como ele não a atravessa nem sobe em direção ao teto, seu peso, então, está sendo compensado por outra força, para cima, de mesma intensidade, a qual denominamos ‘normal’.
Porém, a real natureza da força ‘normal’ é a repulsão entre cargas elétricas de mesmo sinal. Quando a atração gravitacional puxa o livro em direção à mesa, os elétrons das camadas externas dos átomos da superfície do livro repelem e são repelidos pelos elétrons das camadas mais superficiais da mesa. E é essa repulsão simultânea de ‘zilhões’ de elétrons que constitui a força normal. Assim, o livro efetivamente flutua sobre um ‘colchão’ de elétrons. A força elétrica cai com o quadrado da distância; por isso, tanto a repulsão entre os prótons (positivos) do livro e aqueles da mesa quanto a atração entre os prótons de um corpo e os elétrons do outro são insignificantes para compor a força ‘normal’, pois essas cargas estão separadas por ‘grandes’ distâncias: em média, um núcleo é 100 mil vezes menor que o átomo.
Além da repulsão eletrostática entre os elétrons, entra em cena também o princípio de exclusão de Pauli – homenagem ao físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958). Esse princípio da mecânica quântica (teoria que lida com os fenômenos atômicos e subatômicos) proíbe que os elétrons do livro e os da mesa ocupem o mesmo estado – dito de forma simples, impede que ocupem ‘o mesmo lugar no espaço’ –, dando origem a outra força repulsiva de curto alcance entre os elétrons.
Mas o livro não levita ‘de verdade’, certo? De fato, não. Se assim fosse, nosso cotidiano estaria repleto de levitação, até ao caminharmos pela rua! Trata-se apenas do que chamamos forças ‘de contato’. Algo semelhante dá origem ao atrito. Ao empurrarmos o livro para um lado, percebemos que é preciso fazer uma força para vencer o atrito com que os elétrons da superfície microscopicamente irregular da mesa tentam empurrá-lo de volta à posição original.

Levitação... de verdade

Então, para fazer um corpo levitar de verdade (sem aspas), precisaríamos elevá-lo a uma distância considerável – pelo menos, alguns milímetros –, para ficarmos livres do atrito com a superfície. Aí, sim, ao aplicarmos nele uma pequena força, ele se movimentaria sem atrito – e a única limitação seria a resistência do ar, relevante só para grandes velocidades.
Mas como obter aquela elevação? Poderíamos, por exemplo, amplificar a repulsão eletrostática: se a carga elétrica (de mesmo sinal) de dois corpos for suficientemente grande, a força de repulsão entre eles faria um deles levitar sobre o outro. Porém, qualquer contato acidental poderia descarregar um dos corpos, diminuindo ou eliminando a força e, assim, interrompendo a levitação. Além disso, para valores muito altos de carga, o próprio ar passaria a conduzir eletricidade, e surgiriam pequenas (ou grandes!) centelhas, que drenariam a carga dos corpos eletrizados, cessando o efeito.
Um modo mais seguro de obter o mesmo resultado seria usar, em vez da força elétrica, a força magnética. Nos ímãs, polos de mesma natureza se repelem, e polos opostos se atraem. E, se a intensidade dessa repulsão for grande, um ímã pode fazer o outro levitar.
Há, claro, um problema de estabilidade: qualquer pequeno desvio do alinhamento entre os dois ímãs destruiria o equilíbrio. Mas isso pode ser resolvido com arranjos estáveis de vários ímãs, como comprovam os vários trens de levitação magnética atualmente em operação no mundo, inclusive no Brasil.
De fato, nem seria necessário usar dois ímãs. Bastaria um ímã e, por exemplo, um bloco de material ferromagnético, pois o campo magnético do ímã magnetizaria o material, transformando-o em um segundo ímã (figura 1). O problema, nesse caso, é que a força entre ambos seria atrativa. Portanto, para que houvesse levitação, o material ferromagnético teria que estar por baixo do ímã, em vez de por cima.
Material ferromagnético
Um material ferromagnético, na presença de um campo magnético (no caso, induzido por um eletroímã), transforma-se em um ímã temporário. (ilustração: Luiz Baltar)
Materiais diamagnéticos – que são repelidos por campos magnéticos – também poderiam ser alinhados para produzir a levitação, pois a magnetização os transformaria em um ‘ímã invertido’, levando à repulsão magnética. Porém, em geral, isso requer campos magnéticos muito intensos.

Eletroímãs e supercondutores

Os chamados eletroímãs também permitem gerar levitação. Quando um fio condutor é percorrido por uma corrente elétrica, ele cria em torno de si um campo magnético. Se o fio for enrolado, formando uma ou mais espiras, as linhas do campo magnético se assemelham às de um ímã permanente – daí, o termo eletroímã. Dependendo do sentido em que a corrente percorre a espiral, o polo norte é produzido em um ou em outro lado da espiral (figura 2).
Espirais
Dependendo do sentido da corrente elétrica, o polo norte é produzido num ou noutro lado da espiral. (ilustração: Luiz Baltar)
Usando esse efeito, cientistas holandeses já fizeram levitar um sapo e outros bichos pequenos, pois a água do corpo dos animais é formada por moléculas polares, que apresentam comportamento diamagnético. Mas, para isso, é preciso campos magnéticos imensos, ou seja, correntes elétricas muito altas percorrendo as espirais.
O uso de materiais supercondutores – que se comportam como diamagnéticos ideais – possibilita a levitação com campos magnéticos comparativamente baixos. O problema, no entanto, é manter o supercondutor a temperaturas muitíssimo baixas (cerca de -200°C!).
Uma coisa é fazer levitar. Outra, porém, é mover o trem. A solução engenhosa para o problema é o motor de indução linear. A ideia básica consiste em manipular o sentido da corrente elétrica dos eletroímãs colocados ao longo dos trilhos. Cada um desses eletroímãs ora atrai um ímã preso ao trem – quando o ímã se aproxima dele –, ora o repele – quando o ímã acaba de passar por ele. Desse modo, o trem é continuamente impelido para a frente. É, sem dúvida, uma sincronia complexa, mas é só uma questão de manipular convenientemente as correntes nos eletroímãs. Esse tipo de arranjo – usado, por exemplo, para puxar para cima os carrinhos de montanhas-russas modernas – permite controlar a corrente nos eletroímãs, para atingir não só forças de tração intensas, mas também grandes acelerações. A Nasa (agência espacial dos EUA) já está testando um foguete cujo primeiro estágio seria substituído por um sistema semelhante, barateando o lançamento de grandes cargas para o espaço.


Beto Pimentel
Colégio de Aplicação
Universidade Federal do Rio de Janeiro