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ACESSO: 30/01/2018
No final de 2014, ao completar 70 anos, o engenheiro-agrônomo José
Roberto Postali Parra aposentou-se compulsoriamente da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), unidade da Universidade de São
Paulo (USP) em Piracicaba da qual fora diretor. Mas o especialista em
controle biológico de pragas agrícolas nem cogitou abandonar suas
pesquisas no Departamento de Entomologia e Acarologia da escola.
“Batalhei a vida toda e não vou parar de trabalhar agora que chegou a
vez de o controle biológico se firmar na agricultura brasileira”,
comenta. Essa forma de combate a pragas que afetam as plantações usa os
próprios inimigos naturais, como insetos, ácaros e até microrganismos,
para atacar os problemas da lavoura. Em vez de lançar mão de um
inseticida químico, cujo uso abusivo pode ser nocivo para o homem e o
ambiente, o agricultor tenta destruir ou ao menos reduzir a presença do
agente agressor com o auxílio, por exemplo, de uma pequena vespa ou de
um fungo presente na natureza.
Parra dedicou mais de quatro décadas de pesquisa para entender a
biologia e a interação com o meio ambiente de inimigos naturais de
pragas, como a broca-da-cana-de-açúcar e o greening dos
laranjais, e desenvolveu métodos para reproduzir em laboratório insetos e
ácaros que têm prestado um bom serviço ao homem do campo. Ponderado,
admite que o controle biológico não é a solução para todas as pragas,
mas pode ser útil e ajudar a diminuir o emprego de agroquímicos na
lavoura. “O Brasil é o campeão mundial no uso de produtos químicos na
agricultura”, diz. “Nosso agricultor tem essa cultura.” Nesta
entrevista, Parra conta histórias de insetos e de pragas da lavoura
nacional e comenta sobre temas importantes da agricultura brasileira,
como o emprego de variedades transgênicas e a adoção de práticas
orgânicas.
Idade |
73 anos |
Especialidade |
Controle biológico de pragas na agricultura |
Formação |
Graduação em engenharia agronômica (1968), mestrado (1972) e
doutorado (1975) em entomologia pela Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) |
Instituição |
Esalq-USP |
Produção científica |
341 artigos científicos, 20 livros escritos ou organizados, orientou 61 mestres e 50 doutores |
Sua trajetória envolve muitas mudanças. O que conduz esses movimentos? Em qual cultivo o controle biológico é mais empregado no Brasil?
A cana-de-açúcar é o exemplo clássico. Hoje se planta entre 9 e 10
milhões de hectares de cana em São Paulo. Quase metade da área de cana
paulista é controlada biologicamente. O combate à mariposa conhecida
como broca-da-cana [Diatraea saccharalis] e à cigarrinha Mahanarva fimbriolata, uma praga que ataca a raiz da planta, é feito dessa forma. A lagarta da broca é destruída com a liberação da vespinha Cotesia flavipes, um inseto de Trinidad e Tobago que foi introduzido no país em 1971. A Cotesia é usada em 3,5 milhões de hectares de cana. A vespinha Trichogramma galloi,
com que trabalho, tem sido utilizada para combater o ovo da broca em
cerca de 500 mil hectares de cana. Podem ser empregados diferentes
inimigos naturais para atacar diferentes fases dessas pragas. As fases
de desenvolvimento dos insetos são ovo, lagarta, pupa e adulto. Para o
controle da cigarrinha da cana, é usado um fungo chamado Metarhizium anisopliae.
Quais outras culturas têm usado esse método?
Tem uma história interessante que envolve o controle biológico do greening dos citros, doença também conhecida na Ásia como HLB ou Huanglongbing, que deixa amareladas as folhas da laranjeira, secando as plantas. O greening é causado pelas bactérias Candidatus Liberibacter que são transmitidas às plantas por um pequeno inseto, o psilídeo Diaphorina citri. Por causa do greening,
os citricultores começaram a aplicar inseticida no pomar de 20 a 30
vezes ao ano, de forma desenfreada, para matar o psilídeo. Nós tentamos
fazer o controle biológico por meio da soltura de vespinhas da espécie Tamarixia radiata,
que é originária da Ásia, mas foi encontrada aqui em São Paulo.
Liberávamos as vespas nos pomares, mas elas morriam. Os pomares tinham greening, mas não tinham o psilídeo Diaphorina citri.
Por que então havia a doença?
Descobriu-se que os focos primários da doença vinham de áreas que
estavam fora dos pomares, de áreas orgânicas, de fundo de quintal, de
murta, planta hospedeira do psilídeo, e de pomares abandonados. O
Fundecitrus [Fundo de Defesa da Citricultura] estimou que essas áreas
vizinhas chegavam a 12 mil hectares. Começamos então a liberar as vespas
nessas áreas para evitar os focos primários. Deu resultado. Hoje a
empresa Citrosuco tem cinco biofábricas de vespas, a Fundecitrus tem
outra e há um agricultor começando a criação desses insetos. Agora, os
citricultores põem na beirada do pomar iscas, armadilhas amarelas com
cola, que detectam o momento em que o psilídeo chega no laranjal. Na
Flórida, Estados Unidos, o greening praticamente acabou com a
citricultura. Eles sabiam fazer o controle biológico, mas não o fizeram.
Achavam que apenas melhorando a nutrição da planta conseguiriam
combater a doença. Sozinho, o controle biológico não resolve todos os
problemas. Ele é um dos componentes do MIP, o Manejo Integrado de
Pragas, que apareceu entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1970. É
preciso usar mudas sadias, erradicar as plantas doentes e aplicar o
inseticida sem exageros.
Os Estados Unidos não são fortes em controle biológico de pragas?
Na verdade, eles não usam tanto o controle biológico como preconizam nos
livros que publicam sobre o tema. A cultura deles também é de uso de
produtos químicos. Isso vale até na Califórnia. O MIP foi uma política
pública iniciada na era de Richard Nixon [presidente de 1969 a 1974].
Vieram outros presidentes e, no final do governo Clinton [1983-1992],
ficou estabelecido que 75% dos agricultores americanos teriam de fazer
MIP. Mas eles só atingiram de 4% a 8%. Não é fácil. Hoje há grandes
empresas de controle biológico. A líder é a Koppert, holandesa. A
segunda é a Biobest, belga. A terceira é a BioBee, de Israel. Atualmente
as grandes multinacionais de inseticidas, como Bayer, Syngenta e
Monsanto, também têm empresas de controle biológico. Onde se utiliza
mais esse sistema é na Europa, sobretudo na Holanda e Espanha. O momento
é mágico para o Brasil no controle biológico. Estou aposentado, fiz 70
anos no fim de 2014. Mas não paro de trabalhar por causa disso. Batalhei
a vida toda e agora que é o momento de o controle biológico se firmar
não vou parar.
Mais recentemente uma vespa passou a ser usada para combater
uma lagarta que ataca várias culturas no Brasil Central. A abordagem
está dando certo?
Em março de 2013, apareceu uma praga importante, a lagarta Helicoverpa armigera, em
lavouras de Goiás. Ela ataca até 200 plantas hospedeiras e afeta
cultivos como o de soja, algodão, laranja, café, entre outros. Não havia
como controlar essa lagarta com produtos químicos. Os agricultores
tiveram de usar o controle biológico, com o emprego de um vírus, o NPV,
que combate a própria lagarta, ou de vespinhas do gênero Trichogramma,
que atacam seus ovos. O problema é que, na ocasião, não havia
disponibilidade de insetos para que todos usassem esse método. Agora
começam a surgir empresas no Brasil dedicadas a fornecer produtos
biológicos para esse mercado. Apenas dentro do programa Pipe [Pesquisa
Inovativa em Pequenas Empresas] da FAPESP, há 11 startups de controle
biológico. A empresa Bug, de Piracicaba, saiu do meu laboratório. A
ProMIP, que trabalha mais com ácaros, também se originou na Esalq, a
partir dos trabalhos do professor Gilberto Moraes. Os jovens estão muito
entusiasmados em montar empresas. Mas fico preocupado. Se as empresas
não forem profissionalizadas, podem denegrir a imagem do controle
biológico. Nosso trabalho tem de ser lento, mas seguro. Não se pode ter
pressa. Quando há um erro, o agricultor demora para voltar ao controle
biológico.
Houve algum episódio emblemático nesse sentido no Brasil?
Ocorreu algo assim na década de 1970 com o fungo Metarhizium.
Um italiano que era assessor da FAO [Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura], Pietro Guagliumi, introduziu esse fungo
no Nordeste, onde havia o problema da cigarrinha-da-cana-de-açúcar. Mas
lá o problema era mais na folha da planta, enquanto em São Paulo era no
sistema radicular. As cigarrinhas que causam esses problemas são muito
parecidas. Começaram a usar o fungo no Nordeste e foi um sucesso. Mas
logo surgiram empresas não sérias, que passaram a vender fungos
contaminados. Depois disso, o controle biológico passou a não funcionar.
Demorou anos para que o método voltasse a ser usado não só na região,
mas em todo o Brasil.
Que tipo de pragas agrícolas podem ser combatidas pelo controle biológico e quais não podem?
O MIP é como se fosse uma casa, que tem o alicerce composto por alguns
itens. Tem que conhecer a influência do clima, a praga e o momento de
controlá-la. Há quem confunda o inimigo natural com a praga agrícola. O
inimigo natural também faz parte desse alicerce. É o responsável pelos
níveis de mortalidade natural em um agrossistema. A praga tem um inimigo
natural e este também tem outro inimigo natural. Existe uma cadeia
trófica. Tudo estaria em equilíbrio se não estivéssemos plantando um
monte de soja, de cana, para atender as necessidades da alimentação
humana. A monocultura causa desequilíbrios. Acima do alicerce da casa
estão os métodos de controle das pragas, como o biológico, que podem
usar também feromônios, o plantio de diferentes culturas agrícolas,
produtos químicos e plantas transgênicas. Todas essas medidas visam
manter as pragas em um nível abaixo do dano econômico, levando-se em
conta, além do aspecto econômico, critérios sociais e ecológicos. Como
disse, o controle biológico não é a solução para todos os problemas.
Existem culturas em que pode ser mais utilizado e outras em que será
menos. Em culturas em que há muitos insetos, é difícil usar o controle
biológico. Nesse caso, a solução é usar produtos químicos seletivos, que
matam a praga, mas não o inimigo natural. Há tabelas disponíveis para
os agricultores com a recomendação desses produtos em diversas
situações. Em algumas culturas, como batata, tomate e até algodão, os
agricultores brasileiros empregam muito inseticida.
Essa é uma questão mais econômica ou cultural?
O Brasil é o campeão no uso de produtos químicos na agricultura. O país
tem uma cultura exclusivamente química, algo difícil de mudar. Esse é o
grande problema. O agricultor diz que o avô e o pai sempre usaram
inseticida. Ele quer ver o inseto que ataca a lavoura morto no chão
depois de aplicar o veneno. Temos menos tradição de controle biológico
que outros países da América Latina, como Peru, Colômbia e Venezuela,
que foram muito motivados por pesquisadores da Califórnia. Nossa
agricultura foi muito influenciada por quem trabalhava com produtos
químicos. O DDT foi sintetizado em 1939 e se imaginou que todos os males
da agricultura seriam resolvidos. Aí surgiu um grave problema. Houve
desequilíbrios biológicos, poluição de águas. A bióloga americana Rachel
Carson fez um livro famoso sobre esse tema em 1962, Primavera silenciosa.
De 1940 aos anos 1960, houve um período negro para o controle biológico
de pragas. Até que surgiu o MIP, que foi uma resposta da comunidade
científica ao uso inadequado de defensivos, uma forma de controlar as
pragas levando-se em conta os aspectos econômicos, que não podem ser
deixados de lado, mas também os ecológicos e sociais.
Quando surgiu o controle biológico?
Ele é milenar. Os chineses usavam inimigos naturais para controlar
pragas de citros antes de Cristo. O controle biológico como conhecemos
hoje começou, na verdade, em 1888 na Califórnia. Riverside e Berkeley
são os dois grandes centros. Existia ali uma praga séria de citros, o
chamado pulgão-branco, que, na verdade, é uma cochonilha, a Icerya purchasi. Os americanos foram à Austrália, que era o provável local de origem do pulgão, pegaram a chamada joaninha-australiana (Rodolia cardinalis)
e a introduziram na Califórnia. No ano seguinte, o caso foi considerado
um sucesso. No Brasil, importamos o primeiro inseto em 1921. Foi
introduzida em São Paulo uma vespa dos Estados Unidos, a Encarsia berlesei,
que parasita a cochonilha-branca do pessegueiro. Mas a tentativa não
deu certo. Houve vários episódios assim. Por volta de 1924, apareceu a
broca-do-café, Hypothenemus hampei, um pequeno besouro de
origem africana que ataca essa cultura. Pesquisadores do Instituto
Biológico e um professor da Esalq, Salvador de Toledo Piza Júnior, foram
para a África e trouxeram uma vespa de Uganda, a Prorops nasuta,
mas o controle da praga não deu muito certo. Por coincidência, há uns
20 anos me procuraram porque acharam essa vespa na região de Ribeirão
Preto. Eles queriam multiplicá-la, já que hoje há técnicas para
criá-las.
Naquela ocasião, a técnica de criação dessa vespa também foi importada?
Naquele tempo, não tinha técnica de criação. Era a época do chamado
controle biológico clássico, em que tudo era feito de forma rudimentar,
sendo possível criar alguns insetos de forma artesanal e sem nenhuma
tecnologia. O pesquisador ia ao local de origem da praga, pegava seus
inimigos naturais e os introduzia na plantação em que havia o problema.
Como não existiam técnicas de criação dos insetos, eram introduzidos
poucos inimigos naturais. Por isso, essa introdução é chamada de
liberação inoculativa. Quando se libera uma pequena quantidade, não se
tem uma resposta imediata. Os insetos precisam se multiplicar na
natureza. Essa situação gerou uma imagem de que o controle biológico só
dava resultado a longo prazo e em culturas perenes ou semiperenes. Hoje
são usados mais os inimigos nativos, pois há muitas restrições para
importar insetos.
O senhor tem a patente da produção de um semioquímico, um
feromônio sexual usado no controle de uma praga de citros. Como isso foi
obtido?
Quem trabalha mesmo com feromônios é o José Maurício Simões Bento, meu
colega de departamento na Esalq e vice-coordenador do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia de Semioquímicos na Agricultura, do qual sou
coordenador. Temos uma patente do feromônio, que é usado no controle da
mariposa Gymnandrosoma aurantianum, conhecida como bicho-furão
dos citros. Essa mariposa coloca ovos no fruto e, quando eclodem, as
lagartas penetram na laranja, que apodrece e cai. A fêmea dessa espécie
produz uma substância, um feromônio, que atrai o macho para o
acasalamento. Estudamos o comportamento sexual da fêmea para saber onde
ela acasala na árvore e aprendemos a sintetizar em laboratório seu
feromônio. Criamos uma armadilha com uma pastilha que libera aos poucos
essa substância sintetizada e a colocamos na laranjeira. Assim,
enganamos o macho e o atraímos para a armadilha. Essa pastilha foi
criada por nossos parceiros da Universidade de Tsukuba, no Japão. Ela é
envolta por um plástico – uma grande ideia tecnológica – que controla a
liberação da substância por 30 dias. Se retirar o plástico, toda a
liberação ocorre em um dia. Houve agricultores que arrancaram o plástico
e vinham reclamar que o método não funcionava. Tivemos de fazer
palestras e convencer o pessoal a não retirá-lo. Em 10 anos, com o uso
desse método de controle biológico, que custou US$ 50 mil dólares para
ser desenvolvido, os agricultores paulistas deixaram de gastar US$ 1,3
bilhão com a aplicação desnecessária de inseticidas.
Esses casos de controle com sucesso econômico estimulam a pesquisa na área?
Outro dia estava falando com o presidente da Koppert, que está presente
em 27 países e tem uma filial em Piracicaba. Ele me disse que usam
controle biológico em 90% ou 95% das casas de vegetação da Holanda. São
casas grandes, com 10 ou 20 hectares. Mas não dá para comparar com o
Brasil. Aqui, no Centro-Oeste, apenas um produtor, por exemplo, pode ter
100 mil hectares de soja. Sempre digo em palestras que o Brasil é
indiscutivelmente líder em agricultura tropical. Mas, em razão de nossas
grandes extensões, a agricultura tropical é perversa para o controle
biológico. Temos de desenvolver um modelo para o controle biológico
tropical. Não dá para liberar insetos manualmente em 100 mil hectares.
Tem de usar drone, avião. Não dá para andar em 100 mil hectares de soja
para saber a hora certa de liberar os insetos. É necessário
sensoriamento remoto para acompanhar essa questão. Ainda estamos
engatinhando nisso. Mas nossos programas de controle biológico estão
entre os maiores do mundo em termos de área manejada.
Como surgiu seu interesse pela entomologia?
Fiz o científico [uma das variações do antigo ensino médio, com ênfase
nas ciências exatas e naturais], tinha uma tendência muito forte para a
área biológica e imaginava ser médico. Morava em Campinas e era vizinho
do IAC [Instituto Agronômico]. Minha casa era a primeira depois do IAC.
No último ano do científico, participei de uma excursão à Esalq e me
encantei pela escola. Fiz o cursinho e fui estudar agronomia lá em 1964,
sempre com a ideia de ficar no IAC. Durante a faculdade, eu ia para o
instituto nos fins de semana e nas férias, quando estava em Campinas. No
segundo ano de agronomia, comecei a trabalhar com entomologia. Fui
bolsista de iniciação científica do CNPq [Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Quando me formei, em 1968,
tinha até uns trabalhinhos publicados. Entrei no IAC meio ano depois de
formado através de um concurso.
No IAC já trabalhavam com controle biológico?
Comecei em uma área um pouco diferente, que é a resistência de plantas a insetos, com a broca-do-algodoeiro [Eutinobothrus brasiliensis].
Fiz o mestrado lá, mas frequentava a Esalq. Eu buscava o genótipo do
algodoeiro que é resistente à broca. Mas acabei saindo da área de
entomologia e fui para a de climatologia do IAC estudar a influência dos
fatores climáticos no desenvolvimento de insetos. Ainda trabalhando no
IAC, fiz o doutorado também na Esalq sobre o bicho-mineiro-do-café, a
mariposa Leucoptera coffeella, que ataca as folhas desse
cultivo. Em 1974, fui convidado para ir à Esalq. Naquela época, não
havia concurso na universidade. Fui a convite e comecei a trabalhar com
biologia de insetos. Em seguida, entre 1977 e 1978, fiz pós-doutorado na
Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Depois que voltei ao
Brasil comecei a trabalhar com controle biológico. Na Esalq, já havia
uma tradição de controle biológico em entomologia. O professor Domingos
Galo, catedrático, já o usava no cultivo de cana-de-açúcar. Durante o
pós-doc nos Estados Unidos, estudei dietas artificiais para insetos. Fui
pioneiro nessa área no Brasil, que é a base para o controle biológico.
Para criar o inimigo natural, é preciso saber como criar a praga.
Desenvolvi essa área, que era tabu no Brasil, pois os componentes eram
todos importados. Tive de desenvolver uma tecnologia de criação adaptada
às nossas condições.
Hoje existem leis que regulam o uso do controle biológico no país?
Como existe muito desconhecimento, nossas leis são totalmente baseadas
no uso de produtos químicos. Queriam pôr até caveira nos produtos
biológicos como se faz com os químicos. O processo de aprovação é
demorado, mas está melhorando. Hoje há 41 produtos biológicos à espera
de aprovação dos três órgãos públicos responsáveis por esse processo, o
Mapa [Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento], a Anvisa
[Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e o Ibama [Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]. Há
também uma entidade que reúne as empresas do setor, a Associação
Brasileira de Controle Biológico, mais conhecida como ABCBio, da qual
participo como integrante do comitê técnico. Damos conselhos sobre como
fazer o controle de qualidade do setor. Não se pode deixar que as
empresas cuidem disso, tem de ser feito por um órgão ligado a uma
universidade ou a algum centro de pesquisa. Hoje ainda não existe um
controle de qualidade independente para os produtos biológicos.
O senhor participa de alguma dessas empresas?
Não. Acompanhei e incentivei a formação da Bug. No Brasil todo, dizem
que sou dono da empresa, mas é porque ela saiu de ex-alunos e de um
técnico que trabalhou em meu laboratório. Hoje existem diversas empresas
e tenho apenas ligações científicas com todas elas.
Qual sua opinião sobre a agricultura orgânica?
Ela pode ter seu espaço. Hoje há até grandes grupos econômicos nesse
setor. Mas acho que falta conhecimento de quem pratica esse tipo de
agricultura. Não há muitas possibilidades para ser exclusivamente
orgânico. As pessoas têm muitas dúvidas. Mas é um mercado interessante,
com potencial. Falta pesquisa na área. Tem muito romantismo, poesia e
ideologia.
Os produtores orgânicos usam controle biológico?
Que eu saiba, usam pouco. Falam muito, mas usam pouco.
O senhor acha que a agricultura orgânica pode ser uma
alternativa de produção em larga escala ou ela se presta a projetos
pequenos?
Essa questão tem a ver com os desafios de desenvolver um controle
biológico tropical. Como as áreas orgânicas não são tão grandes, seria
até mais fácil usar o controle biológico nessas propriedades. Mas, na
agricultura orgânica, há questões problemáticas com relação ao
crescimento da planta, pois não usam fertilizantes e o cultivo apresenta
menos vigor. A não utilização de insumos os leva a lidar com outros
problemas e o controle biológico acaba passando despercebido. Há pouca
gente no mundo pesquisando a agricultura orgânica.
O senhor é a favor dos cultivos transgênicos?
Hoje na literatura científica não há, por enquanto, nenhum malefício
atribuído aos transgênicos. Acho que eles são uma medida de controle
como outra qualquer, mas têm um período de eficácia limitado. Em pouco
tempo, há seleção de insetos resistentes ao transgênico e será
necessário produzir outro transgênico. É como ocorre com as antigas
variedades de cultivo que acabam sendo substituídas por novas
variedades, mais resistentes a pragas. Não sou contra o transgênico; sou
contra dizer que é a solução de todos os problemas. A cana transgênica
não vai ser o fim do controle biológico no setor, como alguns dizem.
Sempre “surgem” pragas resistentes. A soja transgênica controla a
lagarta Helicoverpa armigera, mas não o percevejo e outras pragas. Para esses, será necessário adotar alguma outra medida biológica.