ACESSO: 19/12/2017 as 20:10
Uma nova geração de células solares feitas a partir de um material
sintético cristalino conhecido como perovskita foi escolhida como uma
das 10 tecnologias emergentes de 2016 pelo Fórum Econômico Mundial,
organização suíça que reúne anualmente líderes empresariais e políticos
para discutir questões globais. O material tem provocado entusiasmo
entre cientistas por causa de sua elevada capacidade de converter fótons
em elétrons, gerando eletricidade. Em julho deste ano, o Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia de Ulsan (Unist), na Coreia do Sul,
anunciou a produção em escala laboratorial de células solares de
perovskita com eficiência energética de 22,1%, um recorde. Esse índice,
obtido em células de pequena dimensão, menores do que os modelos
comerciais, supera o dos painéis de silício, que dominam o mercado, com
90% das vendas. A taxa de conversão deles situa-se entre 15% e 20%,
dependendo do grau de pureza do silício usado na construção dos módulos.
Fabricantes de painéis solares e vários grupos de pesquisa no mundo,
inclusive no Brasil, trabalham no aprimoramento dessa tecnologia, que
ainda precisa superar alguns obstáculos, como a baixa durabilidade, para
chegar ao mercado consumidor. No Reino Unido, a Oxford Photovoltaics,
uma spin-off da Universidade de Oxford, montou células de perovskita com
índice de eficiência de 20% e trabalha com a possibilidade de
acoplá-las aos painéis de silício para elevar a conversão de energia. O
fundador da empresa, o físico Henry Snaith, foi um dos primeiros
cientistas a reconhecer o potencial do material como conversor de luz
solar em eletricidade. A Oxford Photovoltaics espera lançar os primeiros
modelos comerciais dessas células no fim de 2018, segundo revelou Frank
Averdung, presidente da companhia, à agência de notícias Bloomberg em
março deste ano.
“As células solares de perovskita são uma tecnologia recente e
promissora”, atesta o químico Rodrigo Lopes Sauaia, presidente-executivo
da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar),
entidade que reúne empresas do setor. “É positivo que existam inovações e
projetos em desenvolvimento como esse no segmento fotovoltaico, ainda
mais no Brasil, um país com enorme potencial de geração de energia
solar”, diz.
A produção nacional desse tipo de energia no país ainda é pequena, de
176 megawatts (MW), e corresponde a 0,1% da matriz elétrica, mas tem
crescido em ritmo acelerado. “Até o fim do ano deve atingir 1 gigawatt
(GW)”, informa Sauaia. Em junho, começou a operar o Parque Solar da
Lapa, no sertão baiano, o maior do país, com capacidade para produzir
158 MW, o suficiente para atender às necessidades de 166 mil famílias
por ano.
A perovskita usada em células solares é um material semicondutor, de fórmula química CH3NH3PbI3, cuja estrutura se assemelha à do mineral titanato de cálcio (CaTiO3)
descoberto nos Montes Urais, na Rússia, em 1836. Esse mineral foi
batizado de perovskita em homenagem ao mineralogista russo Lev
Alexeievitch Perovski (1792-1856). A matéria-prima empregada na produção
das células não é retirada da natureza, mas sintetizada em laboratório.
Elas são construídas em camadas, com diferentes filmes finos com
composição química e funções diferentes.
A evolução dessa tecnologia em curto espaço de tempo chama a atenção
dos cientistas. Quando a perovskita foi aplicada pela primeira vez a uma
célula solar, em 2009, o índice de conversão de luz em energia elétrica
era inferior a 4%. Menos de uma década depois, esse percentual cresceu
mais de cinco vezes
e deve continuar evoluindo. Os professores Yang Yang, da Universidade
da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos, e Jingbi You, do
Instituto de Semicondutores da Academia Chinesa de Ciências, estimam que
essas células solares devem alcançar 25% de eficiência energética em
dois anos, segundo artigo publicado na revista Nature de abril
deste ano. As pastilhas de silício, por sua vez, já estão no mercado há
mais de 50 anos e parecem ter atingido seu limite. Nos últimos 15 anos,
não foram registrados grandes progressos em sua taxa de conversão.
Grau de pureza
As células de perovskita também são mais baratas e fáceis de produzir do que as de silício. “Para que se obtenha alta eficiência energética, as células de silício precisam ter um grau de pureza muito elevado, o que aumenta o consumo de energia durante a fabricação e eleva seu custo”, explica a química Ana Flávia Nogueira, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e líder de um dos grupos de pesquisa desse tipo de dispositivo no país, o Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar (LNES). A pureza do silício é necessária porque pequenas imperfeições no cristal interferem em sua capacidade de transformar a luz absorvida em eletricidade.
As células de perovskita também são mais baratas e fáceis de produzir do que as de silício. “Para que se obtenha alta eficiência energética, as células de silício precisam ter um grau de pureza muito elevado, o que aumenta o consumo de energia durante a fabricação e eleva seu custo”, explica a química Ana Flávia Nogueira, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e líder de um dos grupos de pesquisa desse tipo de dispositivo no país, o Laboratório de Nanotecnologia e Energia Solar (LNES). A pureza do silício é necessária porque pequenas imperfeições no cristal interferem em sua capacidade de transformar a luz absorvida em eletricidade.
Já as células solares de perovskita não requerem elevada pureza, uma
vez que defeitos em sua estrutura não reduzem sua eficiência. Elas são
feitas com compostos químicos baratos e podem ser elaboradas com métodos
simples que reduzem seu custo. Além disso, o processo produtivo não
contribui para o aquecimento global. Durante a produção das lâminas de
silício, o dióxido de silício (SiO2), matéria-prima básica do
dispositivo, precisa ser fundido a altas temperaturas, em torno de
1.500 °C, liberando dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. “A fabricação das células de perovskita não emite CO2”, diz a pesquisadora da Unicamp.
O grupo de Ana Flávia Nogueira foi o primeiro a fazer células solares
de perovskita no Brasil, em 2016. “Esse estudo começou com a
dissertação de mestrado do químico Rodrigo Szostak. Não foi difícil
iniciar o desenvolvimento dessas células, já que nosso laboratório
pesquisa desde 2004 células solares orgânicas e células sensibilizadas
por corantes, duas tecnologias que serviram de inspiração para as
células de perovskita”, conta a pesquisadora. O dispositivo desenvolvido
no LNES já atinge valores de eficiência próximos a 16% e deve alcançar
18% até o fim do ano.
Outra característica das células solares de perovskita é sua
espessura, em torno de 1 micrômetro (a milionésima parte do metro),
diante de cerca de 180 micrômetros das pastilhas de silício. “Elas são
produzidas na forma de filmes ultrafinos e podem ser semitransparentes, o
que poderá levar à fabricação de painéis leves e flexíveis, permitindo
uma quantidade maior de aplicações”, afirma a química Silvia Letícia
Fernandes, que fez seu doutorado sobre o tema. Um dos problemas das
células fotovoltaicas de silício é que elas são pesadas e rígidas, o que
dificulta e limita os lugares de instalação dos módulos solares.
Silvia defendeu no ano passado pela Universidade Estadual Paulista
(Unesp) a tese de doutorado “Desenvolvimento de células solares de
perovskita baseadas em filmes de óxidos nanoestruturados”, sob
orientação da professora Maria Aparecida Zaghete, do Instituto de
Química da Unesp de Araraquara. O trabalho teve apoio do professor
Carlos Frederico de Oliveira Graeff, da Faculdade de Ciências da Unesp
de Bauru, para preparação das células solares. Maria Aparecida e Graeff
são pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais
(CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados
pela FAPESP.
Calcanhar de aquiles
Mesmo com tantas vantagens, as células de perovskita ainda precisam vencer desafios para se tornar um produto comercial e disputar espaço no mercado de energia solar fotovoltaica. O principal deles é a baixa durabilidade do material. “Esse é o calcanhar de aquiles”, admite o químico Rodrigo Szostak, do grupo de pesquisa da Unicamp. “Outro grande problema em relação ao silício é a estabilidade. A perovskita é sensível à água e à umidade, que causam sua degradação”, afirma. As primeiras células feitas no mundo com o material permaneciam estáveis por apenas alguns minutos, mas alterações em sua estrutura elevaram a durabilidade para pouco mais de um ano.
Mesmo com tantas vantagens, as células de perovskita ainda precisam vencer desafios para se tornar um produto comercial e disputar espaço no mercado de energia solar fotovoltaica. O principal deles é a baixa durabilidade do material. “Esse é o calcanhar de aquiles”, admite o químico Rodrigo Szostak, do grupo de pesquisa da Unicamp. “Outro grande problema em relação ao silício é a estabilidade. A perovskita é sensível à água e à umidade, que causam sua degradação”, afirma. As primeiras células feitas no mundo com o material permaneciam estáveis por apenas alguns minutos, mas alterações em sua estrutura elevaram a durabilidade para pouco mais de um ano.
Recentemente, o grupo do professor Michael Gratzel, da Escola
Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), na Suíça, um dos mais avançados
no estudo de células de perovskita, conseguiu fabricar módulos solares
de 10 por 10 centímetros quadrados (cm2) por meio de um
processo adaptado para produção industrial. Os dispositivos apresentaram
eficiência de 11,2% e mostraram-se estáveis por mais de 10 mil horas
(415 dias). Apesar do avanço, a durabilidade ainda é muito inferior à
dos painéis de silício, que operam sem sofrer degradação por até 25
anos.
Outro problema a ser superado é o uso de chumbo na montagem da
célula, um elemento químico que traz riscos à saúde e ao ambiente. “O
chumbo é sempre uma preocupação ambiental grande, mas a quantidade
utilizada é muito pequena. Seu uso em células solares na forma de filmes
finos seria muito menos impactante para o ambiente do que as baterias
de chumbo-ácido usadas pela indústria automobilística”, frisa Silvia
Fernandes. O problema poderia ser contornado com o descarte adequado e a
utilização das células em locais seguros. “O uso do dispositivo em
parques solares, com terreno preparado, tem baixo risco de causar dano
ambiental”, afirma Ana Flávia.
Mais estável
Para ajudar a contornar a baixa estabilidade das células de perovskita, o grupo da Unesp inseriu na composição da célula filmes de pentóxido de nióbio (Nb2O5), o que a tornou mais estável. “A célula solar é formada basicamente por um filme de perovskita e outros dois filmes, um responsável pelo transporte dos elétrons e outro pelo de buracos [um buraco é uma partícula caracterizada pela ausência de um elétron, tendo carga de mesmo valor, mas de sinal oposto à do elétron]. Esses elétrons e buracos gerados pela luz migram para lados opostos do material, criando uma tensão que pode ser usada para alimentar dispositivos elétricos”, explica Silvia. “A maioria das células usa como transportador de elétrons o dióxido de titânio [TiO2]. Nós introduzimos o pentóxido de nióbio, que se mostrou muito eficiente e ainda melhorou a estabilidade.”
Para ajudar a contornar a baixa estabilidade das células de perovskita, o grupo da Unesp inseriu na composição da célula filmes de pentóxido de nióbio (Nb2O5), o que a tornou mais estável. “A célula solar é formada basicamente por um filme de perovskita e outros dois filmes, um responsável pelo transporte dos elétrons e outro pelo de buracos [um buraco é uma partícula caracterizada pela ausência de um elétron, tendo carga de mesmo valor, mas de sinal oposto à do elétron]. Esses elétrons e buracos gerados pela luz migram para lados opostos do material, criando uma tensão que pode ser usada para alimentar dispositivos elétricos”, explica Silvia. “A maioria das células usa como transportador de elétrons o dióxido de titânio [TiO2]. Nós introduzimos o pentóxido de nióbio, que se mostrou muito eficiente e ainda melhorou a estabilidade.”
O dispositivo montado na Unesp apresentou eficiência de até 15%.
Parte do estudo foi feita no Laboratório Federal Suíço de Ciência e
Tecnologia de Materiais (Empa), sob orientação do professor Frank
Nüesch. “Em 2015, passei cinco meses no laboratório do professor Nüesch.
Ele nos cedeu o espaço físico e a experiência na montagem das células.
Nós utilizamos os filmes de pentóxido de nióbio preparados no Brasil e
montamos as células lá. Hoje conseguimos fazer toda a montagem e
caracterização dos dispositivos no Laboratório de Novos Materiais e
Dispositivos (LNMD), com a mesma qualidade”, diz Silvia.
Um terceiro grupo de pesquisa brasileiro, da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), trabalha no aprimoramento das células solares de
perovskita. A inovação foi acrescentar um aerogel de dióxido de titânio
(ou titânia) na arquitetura do dispositivo a fim de elevar sua taxa de
conversão. A pesquisa foi liderada pela equipe do físico Carlos Rambo,
coordenador do Laboratório de Materiais Elétricos (Lamate) do
Departamento de Engenharia Elétrica e Eletrônica, e teve a parceria das
físicas Maria Luísa Sartorelli e Françoise Toledo Reis, do Laboratório
de Sistemas Nanoestruturados (LabSiN) do Departamento de Física.
“O aerogel é um material conhecido como fumaça sólida por apresentar
uma elevada área superficial e ser muito leve. Desenvolvemos pela
primeira vez no mundo células solares de perovskita à base de aerogel”,
afirma Rambo. “Adicionamos o aerogel de dióxido de titânio na
arquitetura do dispositivo e duplicamos sua eficiência em relação ao de
uma célula com camada compacta de titânia.”
Para Rodrigo Sauaia, da Absolar, os esforços de pesquisa no Brasil e
no mundo são fundamentais para melhorar as características físicas e
químicas das células de perovskita e aperfeiçoar o processo produtivo.
“O desafio atual é transformar células de pequeno porte, que apresentam
bons resultados em bancada de laboratório, em produtos comerciais,
produzidos em larga escala”, aponta Sauaia. De acordo com ele, o sucesso
dessa nova tecnologia vai depender da existência de um módulo solar
competitivo que atenda às exigências do mercado.
Maior poder de absorção
Equipe do MIT usa nanotubos de carbono e cristais nanofotônicos para criar dispositivo solar mais eficiente
Equipe do MIT usa nanotubos de carbono e cristais nanofotônicos para criar dispositivo solar mais eficiente
Um grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT), liderado pela engenheira mecânica Evelyn Wang, o físico Marin
Soljacic e o aluno de doutorado David Bierman, está trabalhando em um
novo tipo de célula solar, capaz, segundo eles, de gerar o dobro de
energia do que os painéis de silício existentes. O segredo da nova
tecnologia é sua elevada capacidade de absorção da radiação solar, de
acordo com a publicação MIT Tech Review. As células
fotovoltaicas modernas absorvem apenas comprimentos de ondas da luz na
faixa do visível, do violeta ao vermelho; o restante é perdido. O
dispositivo é capaz de absorver a energia de todo espectro solar para
gerar eletricidade.
Outra vantagem é que esse tipo de célula poderia ser eficiente também
em dias sem sol. Embora dependa da radicação solar para gerar
eletricidade, uma vez que o material absorvedor tenha captado essa luz,
ele gera calor. Esse calor pode ser armazenado para produzir energia em
dias nublados ou mesmo durante a noite. Em laboratório, o protótipo
apresentou um índice de eficiência relativamente baixo, de 6,8%, mas
seus inventores acreditam que ele tem potencial para evoluir.
Alguns obstáculos precisam ainda ser ultrapassados, como o elevado
custo de fabricação do novo sistema. Outro é que a tecnologia se mostre
viável em condições ambientais normais, já que, até o momento, os testes
foram realizados apenas no vácuo e não no ambiente. O novo dispositivo
foi avaliado pela MIT Tech Review como uma tecnologia promissora.
1. Nanoestruturas híbridas em células solares de terceira geração (3G) (nº 14/21928-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Ana Flávia Nogueira (Unicamp); Investimento R$ 291.986,83.
2. Desenvolvimento de células solares híbridas baseadas em filmes nanoestruturados de ZnO e Nb2O5 (nº 12/07745-9); Modalidade Bolsa de Doutorado – Brasil; Pesquisadora responsável Maria Aparecida Zaghete Bertochi (Unesp); Bolsista Silvia Letícia Fernandes (Unesp); Investimento R$ 106.393,98 e R$ 45.284,17 (Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior, nº 14/23336-7).
Artigos científicos
SZOSTAK, R. et. al. Understanding perovskite formation through the intramolecular exchange method in ambient conditions. Journal of Photonics for Energy. v. 7, n. 2. 24 mai. 2017.
FERNANDES, S. L. et. al. Nb2O5 hole blocking layer for hysteresis-free perovskite solar cells. Materials Letters. v. 181. 15 out. 2016.
PINHEIRO, G. K. et. al. Increasing incident photon to current efficiency of perovskite solar cells through TiO2 aerogel-based nanostructured layers. Colloids and Surfaces A: Physicochemical and engineering aspects. v. 527, p. 89-94. 20 ago. 2017.
YURI VASCONCELOS | ED. 260 | OUTUBRO 2017