sexta-feira, 18 de março de 2016

Produzidos artificialmente, quatro elementos químicos passam a integrar a tabela periódica; segue a busca por outros, mais estáveis

DISPONÍVEL:http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/a-procura-dos-numeros-magicos/?cat=ciencia
ACESSO: 18/03/2016 as 09:13h



O ano de 2016 começou com os jornais noticiando a redecoração das paredes dos laboratórios de química em todo o mundo. É que, de um momento a outro, ficaram desatualizados os pôsteres exibindo a famosa tabela periódica, a lista que organiza os elementos químicos conhecidos segundo suas características e propriedades. Em um comunicado à imprensa no dia 30 de dezembro de 2015, a União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) e a União Internacional de Física Pura e Aplicada (Iupap) reconheceram oficialmente a existência de quatro elementos químicos descobertos nos últimos anos. São os elementos de número 113, 115, 117 e 118, ainda sem um nome oficial, que se somam aos 114 identificados anteriormente.
Os novos elementos químicos são chamados de superpesados porque abrigam em seu núcleo um número elevado de prótons (partículas de carga elétrica positiva), muito superior ao dos elementos químicos encontrados na natureza. É esse conjunto de prótons, o chamado número atômico, que distingue um elemento químico do outro e define muitas de suas características. Por exemplo, o carbono, que constitui a maior parte da massa dos seres vivos, abriga em seu núcleo apenas seis prótons. À temperatura ambiente e puro, o carbono forma cristais que podem ser negros e macios, caso da grafite, ou transparentes e duro, como o diamante, dependendo de como os átomos estão geometricamente organizados. Já o elemento químico natural mais pesado, o urânio, é um sólido metálico bastante denso e radiativo. Tem 92 prótons e, ainda assim, é bem mais leve que os quatro acrescentados agora à tabela periódica.
Os novos elementos são dificílimos de observar e não devem existir espontaneamente na natureza – ao menos, não por muito tempo. Por terem núcleos superpesados, são tão instáveis e fugazes que se desfazem em frações de segundo. A existência deles só pôde ser confirmada por meio de uma série de experimentos realizados ao longo da última década.
Um dos poucos laboratórios capazes de fabricar esses elementos está no Instituto Riken, no Japão. Foi lá que, em 2004, identificou-se o elemento 113. Outros laboratórios com a mesma capacidade estão no Instituto Conjunto para Pesquisa Nuclear, em Dubna, na Rússia, e em centros nos Estados Unidos. Uma colaboração entre uma equipe de Dubna e pesquisadores norte-americanos, a maioria do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, produziu o elemento 115 em 2004, o 118 em 2006 e o 117 em 2010.
Com os quatro novos elementos químicos, somados aos elementos 114 e 116, cuja existência foi reconhecida em 2011, finalmente foram preenchidos todos os espaços vagos na sétima linha da tabela periódica. “Só nos últimos 50 anos, 17 novos elementos químicos foram acrescentados à tabela, do 102 ao 118”, diz o físico Edilson Crema, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
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“Quando o químico francês Antoine Lavoisier publicou em 1789 o Tratado elementar de química, considerado um marco da química moderna, a obra listava apenas 33 elementos”, observa o químico e historiador da ciência Carlos Alberto Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Naquela época a identificação de novos elementos químicos dependia do desenvolvimento de produtos e métodos de extração para estudar os minerais. “A análise das propriedades de novos minerais muitas vezes revelava a presença de um elemento químico até então desconhecido”, explica.
A tabela periódica só surgiria no final dos anos 1860. Os químicos já haviam então percebido que os elementos, enfileirados em ordem crescente de massa atômica (a soma de seus prótons e nêutrons), formavam séries com propriedades físicas e químicas semelhantes, que se repetiam periodicamente ao longo da fila. A partir dessas observações, o químico russo Dmitri Mendeleev ordenou os 65 elementos identificados até então no que chamou de tabela periódica dos elementos químicos. Ele previu a existência de outros, como o gálio e o germânio, só descobertos anos depois.
Depois de preencherem quase todas as lacunas da tabela periódica entre o hidrogênio, que tem 1 próton, e urânio, com 92, começou-se a usar aceleradores de partículas nos anos 1940 para tentar produzir elementos químicos mais pesados que o urânio. Os primeiros elementos químicos sintéticos eram formados pela adição de um nêutron, que, ao aderir ao núcleo, converte-se em um próton, liberando um elétron e um neutrino. Essa estratégia funcionou até o férmio, que tem 100 prótons. A partir daí, os elementos pesados passaram a ser criados pela colisão e fusão de dois núcleos mais leves.
A produção desses elementos exige um ajuste fino entre as massas dos núcleos e a energia com que são lançados uns contra os outros. É que a colisão tem de ocorrer com energia suficiente para vencer a força de repulsão entre os núcleos, que têm carga elétrica positiva. Mas a energia não pode ser elevada demais a ponto de impedir a formação de um núcleo maior e estável, ainda que por instantes. O objetivo dos físicos não é apenas fabricar elementos químicos novos. Essa é também uma forma de testar as teorias sobre como prótons e nêutrons interagem e a matéria se comporta num nível ainda mais elementar. Essas teorias explicam como os elementos mais leves – como hidrogênio, hélio e lítio – se formaram na explosão que teria dado origem ao Universo, o Big Bang, e depois produziram os demais elementos por fusão nuclear no interior de estrelas e durante as explosões que as extinguem.
O núcleo dos átomos é uma região em constante tensão. Os prótons se repelem mutuamente por terem carga elétrica de mesmo sinal, positiva. Só se mantêm unidos pela ação de uma força contrária, de atração: a força nuclear forte. Esse equilíbrio entre essas forças é bastante delicado. Segundo Crema, os núcleos, além de prótons, contêm certo número de nêutrons, partículas eletricamente neutras. “Os nêutrons são uma espécie de estabilizadores nucleares”, diz. “Núcleos com muitos prótons exigem um número ainda maior de nêutrons em relação ao número de prótons, o que torna mais difícil formar núcleos superpesados.”
Uma teoria chamada de modelo de camadas propõe que, no núcleo dos átomos, os prótons e os nêutrons se encontram organizados em camadas concêntricas, cada uma delas comportando um número máximo de partículas – o chamado número mágico. De acordo com esse modelo, quanto mais completa a camada externa de um núcleo, mais estável ele é. Essa ideia, em princípio, explica por que alguns núcleos pesados se desmancham facilmente enquanto outros existem por mais tempo. Os físicos esperam fabricar elementos contendo números mágicos de partículas. Eles teriam chance de se manter estáveis por vários anos e permitiriam iniciar uma oitava ou até mesmo nona linha na tabela periódica. “Mas isso”, diz Crema, “ainda é só conjectura e esperança”.
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quarta-feira, 16 de março de 2016

FilosoQuímica #1 Distribuição eletrônica pelo Diagrama de Pauling - func...

Assista a explicação do DIAGRAMA DE RICHER-SUTER.

ACESSE:
https://youtu.be/i_TJKIIKDzM

O Diagrama de Pauling sempre é válido? Conheça o Digrama de Rich-Suter

DISPONÍVEL: http://universidadedaquimica.com.br/artigos/diagrama-pauling-rich-suter/
ACESSO: 16/03/2016 as 11:44h



Um belo padrão

Todo aluno de química utiliza o velho e bom Diagrama de Pauling para realizar a distribuição eletrônica dos elementos. Esse Diagrama, que o próprio Linus Pauling nunca reclamou a autoria, é uma forma simples e rápida de determinar a estrutura eletrônica dos átomos, no entanto, muitos o utilizam mesmo sem saber sua origem, ou seu significado. Alguns acham que o Diagrama é uma consequência direta do modelo atômico de Bohr, o que é um grande equívoco, uma vez que o belo e fantástico Modelo de Bohr (porém falho) não compreende o conceito de orbitais. E o Diagrama de Pauling nada mais é do que um fila de energia dos orbitais, onde o de mais baixa energia é o orbital 1s, seguindo pelo 2s, 2p, 3s e assim por diante. A construção do diagrama tem uma origem híbrida, baseada tanto na teoria quanto dos resultados experimentais. Seu fundamento pela teoria está em sua própria estrutura, porque o que simplesmente representamos como 1s, 4p, 5d … nada mais são do que funções matemática advindas da mecânica quântica. Os resultados experimentais orientam a ordem energética, pois indica claramente que orbitais do mesmo nível, como 2s e 2p, não possuem a mesma energia (no caso das funções de onda do hidrogênio, onde a mecânica quântica é exata, esses orbitais tem a mesma energia); mostra que o orbital 4s tem energia inferior ao 3d, além de outros casos análogos (conclusão fundamentada por resultados experimentais); omite de orbitais teoricamente existentes, porém sem observação experimental como o 5g, 6h, e outros.
Não restam dúvidas sobre a praticidade, e a aplicabilidade desse diagrama. Sua importância é tamanha que, em qualquer nível de ensino de química, do médio à pós-graduação, seja nas aulas expositivas, seja em livros acadêmicos, ele ainda é utilizado. No entanto, deve ser utilizado com cautela. Por que? Nós utilizamos, e ensinamos, esse diagrama como uma referência a qual todos os elementos devem seguir. Mas será que a natureza, assumindo que o orbitais de fato existem, seria tão obediente e previsível assim? TODOS os mais de 110 elementos que conhecemos, sendo natural ou artificial, iriam obedecer esse padrão? É razoável que não...… os elementos artificiais, mais pesados, com tempo de vida curto, dificilmente obedeceriam alguma regra. Mas.…os mais comuns, os elementos do dia-a-dia, devem obedecer. Será mesmo?

Cromo, cobre e seus familiares

Podemos dar uma olhada em dois elementos muito comuns, o cobre e o cromo, que simplesmente não obedecem o Diagrama. Abaixo temos a configuração eletrônica teórica, ou seja, a prevista seguindo o diagrama, e a real, de acordo com os dados experimentais.
tabela1
Esse é um caso bem conhecido, e a resposta padrão para ele é dizer que:
Como os orbitais d são degenerados, o ideal é que todos tenham o mesmo preenchimento, seja parcialmente preenchido, seja totalmente preenchido, a para isso, existe a transferência interna de um elétron do orbital s para o orbital d
De fato, se os orbitais d têm a mesma energia, então como podemos ter quatro orbitais parcialmente preenchidos, e um “vazio”, e os cinco serem idênticos do ponto de vista energético? Por isso gerar um “desiquilíbrio energético”, parece que a natureza seguiu uma distribuição mais simétrica no caso do cobre e do cromo. Até que essa explicação funciona bem, porque o mesmo é observado para o  molibdênio, que é um “parente” do cromo, e para a prata e o ouro, que são análogos ao cobre. Normalmente vai até ai nossa explicação sobre distribuição eletrônica. Falamos que o Diagrama de Pauling é o modelo perfeito, mas devido a essas “circunstâncias energéticas”, a família do cobre e a família do cromo não o obedecem. Mas nem todos os membros de uma família seguem a tradição! Quando olhamos para a configuração eletrônica do tungstênio, que deveria seguir o padrão do cromo e do molibdênio, percebemos que ele segue a distribuição tradicional de Pauling. E ai?

São muitos os rebeldes!

Como explicamos o caso do obediente tungstênio? … Quando olhamos com um pouco mais de atenção observamos que outros elementos não obedecem ao Diagrama, e nem tem sua configuração eletrônica contemplada pela mesma explicação do caso do Cr e do Cu. Vejam os casos abaixo.
tabela2
Viram? Nióbio, rutênio, ródio, paládio, platina, além de uma grande número de lantanídeos e actinídeos (não mostrados) desobedecem abertamente o Diagrama de Pauling!!! Serão todos esses elementos exceções? Quando explicamos isso em sala de aula chamamos atenção a esses casos? Ou varremos para baixo do tapete, não os mencionamos, e torcemos para que nenhum aluno pergunte sobre eles? Quando perguntam, falamos simplesmente que são exceções?
Não, esses casos não são exceções! Essa é a realidade! O bom Diagrama funciona bem para uma série de elementos, em especial, os representativos, mas falha ao descrever a estrutura eletrônica de vários metais. A natureza nunca foi tão obediente mesmo … mas não é por isso que o Diagrama não tenha o seu mérito. Mas ai? Só isso? O Diagrama de Pauling não funciona para esses elementos e não tem nenhuma explicação para essas observações?

Do Facebook ao Diagrama de de Rich-Suter

Como a maioria dos meus colegas de profissão, eu passava por cima desses casos … até que em uma discussão num grupo de professores de química no Facebook, um colega perguntou como explicávamos esses casos. Vários, incluindo eu, deram suas opiniões sobre isso – nada muito diferente do que está descrito até agora nesse post. Mas outro colega, que eu infelizmente não lembro o nome, sugeriu olharmos para o Diagrama de Rich-Suter.
Até o momento, eu nunca havia ouvido falar nesse diagrama, e decidi procurar na literatura. Para o meu espanto, achei um artigo da Química Nova, escrito por professores da UFRJ (dois deles eu conheço pessoalmente), onde faziam a apresentação desse diagrama como uma “alternativa elegante” para explicarmos os casos onde o Diagrama de Pauling falha, e ao mesmo tempo criticavam como essa ferramenta sequer é citada nos livros mais comuns de Química Inorgânica!
Após ler esse artigo procurei o artigo original do Rich e do Suter, mas não tive acesso. É um artigo do Journal Chemical Education, de 1988, mas infelizmente a Capes não assina esse valioso periódico. Mas pelo artigo da Química Nova deu para entender como funciona esse diagrama, e é isso que eu tentarei explicar agora.

Entendendo o Diagrama de Rich-Suter

Hoje, e já há algum tempo, temos métodos computacionais para resolver, com aproximações, a função de onda de Schrödinger para átomos polieletrônicos. Esses métodos nos fornecem, dentre outras coisas, a energia dos orbitais atômicos. O que o Rich e o Suter fizeram foi aplicar um desses métodos (não sei qual porque não consegui acesso ao artigo original) a cada um dos elementos das séries de transição, e avaliar a energia dos orbitais ns (n-1)d (no caso da primeira série seria 4s3d, da segunda 5s4d, e da terceira 6s5d). Os resultados obtidos nesses casos são mais confiáveis que a série Energética de Pauling, e se tivessem uma versão hoje, seriam ainda mais confiáveis. A principal característica desses diagramas é que a energia dos elétrons de spin α e spin β, com a mesma parte espacial da função de onda, não é a mesma. Isso significa que os dois elétrons do orbital 4s, por exemplo, por terem momento angular de spin diferentes, apresentam energia diferente. Isso pode soar um pouco estranho, mas quem conhece o mundo da Modelagem Molecular sabe que esse é uma forma padrão dos softwares resolverem as Funções de Onda. São os chamados métodos irrestritos, e são bem aceitos pela comunidade acadêmica especializada na área.
Tá, mas… e ai? Como esse diagrama desconhecido resolve o problema do bom e velho Diagrama de Pauling?
Abaixo eu tenho uma figura adaptada do digrama de Rich-Suter para a primeira e a segunda série de transição.
rich-suter
A curvas avermelhadas representam a energia dos orbitais s, enquanto que as curvas azuladas se indicam a energia dos orbitais d. Na verdade, cada curva dessas é um interpolação de pontos, que representam a energia de cada orbital. No eixo x tem-se a carga nuclear. Percebam que em todos os casos a energia dos orbitais diminuem com o aumento da carga nuclear, afinal esses ficam mais próximos do núcleo, e portanto mais estabilizados. Entretanto, a taxa com que os orbitais d se estabilizam é maior do que os orbitais s. Uma forma racional de se entender isso é que, os orbitais d, para qualquer série de transição, estão mais próximos do núcleo do que os orbitais s representados, e portanto eles sofrem maior influência com o aumento da carga nuclear. Na verdade, ai reside o segredo do Diagrama de Rich-Suter. Para cada átomo a energia dos orbitais d e s são diferentes, às vezes seguem a sequência de Pauling, e isso acontece com o primeiros elementos de cada série, às vezes o comportamento é completamente oposto (tudo isso obtido pelos cálculos quânticos computacionais). Na hora de fazermos a distribuição eletrônica, devemos primeiro adicionar os elétrons nos orbitais de mais baixa energia, de acordo com o digrama, para então adicionar nos de mais alta energia (seguindo o princípio de AufBau). Antes de fazermos alguns exemplos, tenho de chamar atenção a um detalhe importante. Um orbital 4sα só pode representar um elétron, porque no 4s temos apenas um elétron com spin α (o mesmo vale para o 4sβ). No entanto, um 3dα representa 5 elétrons degenerados, pois em cada subnível d temos até 5 elétrons com spin α, e os outros 5, se for o caso, serão de spin β. Dito isto, vamos pegar três exemplos, o vanádio, que obedece Pauling, o cobre que não obedece, mas sabemos explicar, e o rutênio que é um dos casos críticos.
Entre os orbitais s e d, o vanádio tem 5 elétrons. O orbital de mais baixa energia é um 4sα, seguido de um 4sβ. Esses dois elétrons representam a configuração 4s2. Sobram 3 elétrons que serão alocados no próximo orbital de mais baixa energia que é o 3dα. Isso leva à configuração 4s23d3, seguindo o diagrama.
No caso do cobre, com 11 elétrons no total, a posição relativa dos orbitais está mudada. A carga nuclear sobre os elétrons é tão forte que provoca esse reordenamento dos orbitais. Então … vamos lá. Ficam 5 elétrons no 3dα, que é o mais estável. O próximo orbital é o 4sα, que fica com um elétrons. Os 5 elétrons restantes vão para o próximo orbital na fila de energia, que é o 3dβ. A configuração do cobre tem portanto, 10 elétrons no orbital 3d e apenas 1 no 4s, como havíamos concluído com a explicação do “desequilíbrio energético”.  Mas será que o diagrama é capaz de explicar os demais átomos? Vamos ao rutênio então.
O rutênio tem 8 elétrons, e possui a distribuição dita “anômala”. Pelo diagrama de Pauling sua configuração seria 5s24d6, mas sua configuração real é 5s14d7 (e neste caso, não vale a explicação dada ao cromo e ao cobre). Dos 8 elétrons, 5 já ficam no 4dα, seguido de 1 elétron no 5sα. Os dois elétrons restantes vão para o 4dβ. Pelo diagrama de Rich-Suter a configuração é 5s14d7, idêntica à experimental. Legal, não é?
Vale ressaltar que o diagrama falha em prever a configuração de vários elementos do bloco f. Isso se deve ao método quântico utilizado não ser muito adequado para prever a energia desses orbitais. Mas isso não é de admirar. Hoje, em 2015, ainda não temos um método quântico computacional tão bom assim, imagina em 1988?
Mas ai? Teremos coragem de falar desse Diagrama em nossas aulas, em especial na Graduação? No Ensino Médio também é válido, mesmo sabendo que os alunos não tem base para isso. É melhor eles saberem que tem uma resposta, mas que no momento não saberiam compreendê-la, do que jogar no grande saco das “exceções”. É uma pena que uma ferramenta versátil como essa não esteja nos livros mais comuns. Mas como professores não devemos ficar presos apenas aos livros. Devemos ler artigos, procurar na literatura, ver o que tem sido feito de novo. Queremos essa independência de nossos alunos, logo devemos ser o exemplo para eles!!!




Sobre o autor





sábado, 12 de março de 2016

Nanopartículas de sílica podem aumentar o volume de óleo e gás extraídos dos reservatórios

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/pocos-de-petroleo-mais-produtivos/?cat=tecnologia
ACESSO: 12/03/2016 as 10:59h


     Empregar a nanociência para elevar a produtividade de poços de petróleo, extraindo de reservatórios submarinos e continentais o óleo que não é recuperado pelos métodos tradicionais, é o objetivo dos estudos do físico Caetano Miranda, professor do Departamento de Física de Materiais e Mecânica do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). A ideia central do pesquisador, que recorre à modelagem computacional para simular o interior de poços de petróleo em escala micro e nanométrica, é usar nanopartículas de óxidos, como a sílica, impregnadas com surfactantes – substâncias utilizadas pelas empresas petrolíferas na exploração das reservas – para extrair o petróleo aderido às rochas que formam os reservatórios. Hoje, apenas 35% do óleo contido nos poços é extraído, em média. A finalidade da nova técnica é dobrar esse percentual.
     Para compreender como as nanopartículas de sílica irão atuar na exploração petrolífera, é preciso entender que tanto o óleo quanto o gás não estão armazenados em bolsões ou grandes cavernas subaquáticas ou subterrâneas. O óleo e o gás se acumulam em espaços vazios de rochas sedimentares porosas, como se fossem água em uma esponja encharcada. Quando o poço é perfurado, parte do óleo flui naturalmente, por causa da diferença de pressão – mais elevada no reservatório e menor na superfície. “Nessa recuperação primária, são extraídos em torno de 5% a 15% do total de hidrocarbonetos armazenados no depósito. Esse percentual varia conforme certos fatores, entre eles o tipo de rocha que forma o reservatório e características do óleo, como sua viscosidade, por exemplo”, explica Miranda.
     No momento em que o poço começa a reduzir sua produção, as petrolíferas injetam nele água, gás carbônico (CO2) e nitrogênio para deslocar o petróleo ainda presente no reservatório. Esses fluidos são introduzidos nos poços a certa distância do local de produção e têm ação puramente mecânica, empurrando o óleo em direção à coluna de perfuração. Nesse processo de recuperação secundária do óleo chega-se à média de 35% do volume extraído na maioria dos poços do planeta.
      A partir desse ponto, se estudos das petrolíferas comprovarem que há viabilidade econômica, elas continuam explorando o reservatório, injetando no poço surfactantes para fazer o deslocamento do óleo residual. “Surfactante é um produto semelhante ao sabão que altera as interfaces entre o óleo, a rocha e a água salgada, os três componentes do sistema. Ele diminui as tensões interfaciais desses componentes nos reservatórios, modificando a viscosidade do óleo e fazendo com que se desloque mais facilmente”, explica Miranda. Essa substância, porém, apresenta dois problemas. O primeiro é o custo elevado. A petrolífera precisa usar grandes volumes de surfactante, o que implica uma complexa logística de transporte, porque a maioria dos poços se encontra em lugares remotos. O segundo problema é que surfactantes são intolerantes à alta salinidade e à elevada temperatura.Nessas condições, eles precipitam, depositando-se na superfície das rochas. Quando isso acontece, eles não alteram a viscosidade do óleo residual, essencial para sua recuperação.
      As pesquisas com uso de modelagem computacional feitas por Miranda recaem justamente na escolha do melhor material para fazer o papel de surfactante. O pesquisador estuda nanopartículas capazes de auxiliar na extração de óleo e gás retidos em nanoporos e microporos das rochas e, ao mesmo tempo, procura compreender o comportamento dessas nanoestruturas. “Não sabemos o que ocorre com o petróleo ou o gás natural quando eles estão confinados nos nanoporos. Sequer conhecemos o percentual de óleo e gás retido neles”, diz Miranda.
064-067_Petroleo_240-01       O emprego da nanociência na indústria do petróleo, segundo o professor da USP, surgiu em 2008 a partir de uma demanda da Sociedade de Engenheiros do Petróleo (SPE, na sigla em inglês) e se insere em um campo interdisciplinar mais amplo, a nanogeociência. Ela estuda os fenômenos que ocorrem em nanoescala em materiais geológicos e tenta entender os efeitos de sistemas nanoestruturados ou nanoconfinados em escalas maiores. Segundo o pesquisador, em 2008 as nanopartículas de sílica já eram usadas comercialmente em outras áreas, como biomedicina e catálise, na síntese de novos materiais. “A questão era saber como essas nanoestruturas se comportariam nas condições extremas dos reservatórios, onde a temperatura atinge 400oC e a pressão ultrapassa 200 atmosferas (atm). Precisávamos saber se seriam capazes de modificar a interação entre o óleo, a rocha e a salmoura”, explica. “Nossos estudos indicaram que as nanopartículas de sílica poderiam ser potencialmente utilizadas para extração do óleo.”
         O trabalho também teve como desafio tornar funcionais as nanopartículas de sílica com um surfactante, a fim de potencializar sua ação. “A partir de simulações moleculares, tentamos descobrir qual seria o melhor produto a ser adicionado na nanoestrutura, já que existem muitos no mercado. A nanopartícula de sílica, em si, altera a interface entre o óleo, a rocha e a salmoura, mas com o acréscimo de um surfactante essa ação fica mais eficaz”, diz Miranda. “Queremos entender por que ele altera a molhabilidade do óleo.” Molhabilidade é a capacidade de um líquido em manter contato com uma superfície sólida quando os dois são colocados juntos. “Recorremos à simulação em computador por causa do custo-benefício. Fazer os ensaios dos surfactantes nos reservatórios seria custoso e demorado demais.” No caso de funcionar com as nanopartículas de sílica, a quantidade e o custo do surfactante serão bem menores em relação ao volume utilizado sozinho.
         Outra vertente da pesquisa é estudar nanoestruturas que possam ser empregadas para “iluminar” os campos de petróleo, extraindo mais informações dos reservatórios, como, por exemplo, detalhes sobre a porosidade das rochas, os fluidos presentes nelas, a composição química e as condições de temperatura e pressão do ambiente. Essas informações são essenciais para as tomadas de decisão da equipe de engenharia de produção. O uso de nanopartículas, segundo Miranda, poderia aprimorar a resposta da ressonância magnética feita durante a perfuração – a técnica é empregada para mapeamento dos depósitos. Para isso, nanopartículas seriam injetadas no poço junto com a água, servindo como agentes de contraste. “De uma maneira geral, nossos estudos buscam uma melhor compreensão, em escala molecular, dos mecanismos e fenômenos que ocorrem em poços de petróleo. Queremos ter uma visão atomística do processo e verificar as consequências em escalas maiores”, afirma.

Códigos computacionais
       Três teses de doutorado, quatro dissertações de mestrado e mais de uma dezena de artigos foram produzidos nos últimos oito anos no âmbito das pesquisas de Caetano Miranda. Seu trabalho tem vinculação com um projeto de quatro anos financiado pela FAPESP e coordenado pelo físico Alex Antonelli, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Nosso projeto tem como finalidade estudar uma varidade de propriedades da matéria condensada por meio da modelagem computacional. Caetano utiliza as mesmas ferramentas que empregamos e, por isso, podemos compartilhar tanto os computadores quanto os códigos computacionais”, afirma Antonelli. “Em princípio, podemos compreender no computador, que funciona como um laboratório virtual, os processos já conhecidos e possivelmente melhorá-los de uma forma mais barata, sem ter que testar uma nova ideia na prática.”
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Apoio das petrolíferas
    Além da FAPESP, Miranda também recebe financiamento da Petrobras. Suas pesquisas se inserem no programa de Redes Temáticas da estatal, instituído em 2006 e executado em parceria com pesquisadores de universidades e instituições nacionais de pesquisa. “O trabalho do professor Caetano faz parte da Rede Temática Recuperação Avançada de Petróleo”, afirma a engenheira de petróleo Lua Selene Almeida, do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). “É um estudo muito avançado e de fronteira. Ele está nos ajudando a modelar fenômenos físicos que ocorrem nos poços de petróleo numa escala bem distinta daquela que estudamos em nossos laboratórios”, diz a pesquisadora.
       Outra fonte de financiamento dos estudos vem do Advanced Energy Consortium (AEC), consórcio internacional de empresas do setor de petróleo, entre elas a anglo-holandesa Shell, a inglesa British Petroleum (BP), a norueguesa Statoil, a espanhola Repsol, a francesa Total e a Petrobras, voltado ao financiamento de nanociência aplicada à indústria do petróleo. O projeto apoiado pela AEC contou com a participação de pesquisadores da Universidade de Austin, no Texas, um importante centro de estudos no setor de óleo e gás. “Enquanto nosso grupo fazia as simulações em computador, eles se encarregavam da parte experimental”, diz Miranda, destacando que testes laboratoriais e ensaios experimentais, etapas que precedem aos experimentos com as nanopartículas de sílica nos campos de petróleo, também serão realizados em breve no IF-USP.
      “As simulações computacionais são muito mais baratas e apresentam menos riscos do que os experimentos de laboratório”, diz a química Flávia Cassiola, pesquisadora brasileira da Shell Internacional, Produção e Exploração, em Houston, nos Estados Unidos. “A indústria do petróleo tem todo o interesse que os métodos se aprimorem, proporcionando a inclusão de mais características dos reservatórios na simulação. A Shell possui vários grupos dedicados à simulação computacional em seus centros de tecnologia e inovação e o professor Caetano é a nossa referência no assunto. O trabalho dele tem nos auxiliado no desenvolvimento e aprimoramento de métodos avançados de recuperação de petróleo e gás natural”, diz Flávia.
 

Projeto
Modelagem computacional da matéria condensada: uma abordagem em múltiplas escalas (nº 2010/16970-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Alex Antonelli (IFGW-Unicamp).

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Ácidos graxos insaturados, como o ômega 3, promovem o nascimento de neurônios e talvez possam reverter danos ao cérebro de obesos

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/uma-gordura-contra-a-obesidade/
ACESSO: 29/02/2016 as 15:15h

As reações do corpo humano à ingestão de dietas ricas em gorduras são complexas e marcadas por aspectos positivos e negativos. O coração é provavelmente o órgão em que os potenciais malefícios e benefícios dessa relação dual são mais conhecidos. Alguns tipos de ácidos graxos tendem a se depositar nos tecidos, elevar a pressão arterial e aumentar os riscos de problemas cardíacos. Esse é o caso das gorduras saturadas, encontradas na carne vermelha, em aves e derivados do leite integral, e das trans, produzidas a partir da modificação de óleos vegetais e usadas em grande parte dos alimentos processados industrialmente. Já outras formas de gordura, como as insaturadas, parecem contribuir para manter baixos os níveis de colesterol e da pressão e relativamente limpos os vasos sanguíneos. Nas últimas duas décadas, uma relação igualmente intrincada com os diferentes tipos de gordura começou a ser esmiuçada em outro órgão vital – o cérebro.
Novos estudos têm levantado indícios de que a obesidade, marcada geralmente por um consumo excessivo de gorduras saturadas e trans como parte de hábitos alimentares e de um estilo de vida pouco saudáveis, produziria uma inflamação contínua no hipotálamo. Os danos a essa região, que fica na base do cérebro e funciona como um sensor de nutrientes, levariam à morte dos neurônios responsáveis por controlar as sensações de fome e de saciedade e o gasto de energia. Assim, o mau funcionamento dos circuitos que regulam o comportamento alimentar – o indivíduo sente fome logo depois de uma farta refeição – contribuiria para perpetuar o ganho de peso. Esse é um dos efeitos deletérios possivelmente ocasionados pelo acúmulo de gorduras saturadas no sistema nervoso central. Um trabalho recente do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, na sigla em inglês), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, sinaliza que o dano cerebral em animais obesos, alimentados com dietas ricas em gorduras saturadas, poderia ser parcialmente revertido por meio do consumo de alimentos ou compostos ricos em outro tipo de gordura, as insaturadas, basicamente as mesmas que são benéficas ao coração.
Pesquisadores do OCRC deram, de duas maneiras distintas, ácidos graxos insaturados da família dos ômega 3 para camundongos obesos e constataram a formação de novos neurônios no hipotálamo. Para um grupo de roedores, forneceram uma dieta rica em ômega 3, presente em grandes quantidades em algas, em peixes de água fria, como salmão e atum, e na linhaça. Para outro, injetaram ácido docosa-hexaenoico (DHA), ácido graxo poli-insaturado da família dos ômega 3, diretamente no hipotálamo. Um terceiro grupo recebeu apenas uma solução salina em sua dieta.
Oito semanas mais tarde, constataram o surgimento no hipotálamo de neurônios do tipo Pomc, que modulam a sensação de saciedade, nos roedores que se alimentaram de comida rica em ômega 3 e nos que receberam doses de DHA. O grupo de controle não apresentou formação de novos neurônios. “Esse é o primeiro trabalho que mostra neurogênese no hipotálamo induzida por um nutriente alimentar, como a dieta rica em ômega 3”, afirma o médico Lício Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), coordenador do centro e do estudo com os animais. “Talvez as gorduras insaturadas possam ser uma forma de minimizar a morte de neurônios causada pela inflamação do cérebro associada à obesidade.” O estudo foi publicado na revista científica norte-americana Diabetes em 28 de outubro de 2015.
Os pesquisadores conseguem identificar os novos neurônios, cuja formação foi estimulada pela dieta rica em ômega 3, entre os que já existiam no cérebro dos roedores porque usam um marcador celular para diferenciá-los. Eles administram nos animais um marcador de proliferação celular denominado BrdU, um nucleosídeo (uma base nitrogenada ligada a um açúcar) sintético análogo à timidina, que pode ser conjugado com um anticorpo fluorescente. Durante a síntese de DNA, o BrdU toma o lugar da timidina e se insere no material genético quando novas células são geradas. Dessa forma, o composto é uma ferramenta molecular útil para averiguar se há nascimento de neurônios no cérebro.
No experimento feito no OCRC, os pesquisadores geraram imagens da região do hipotálamo dos camundongos obesos obtidas por microscopia confocal. Nos animais em que não houve neurogênese, apareceram apenas células da cor vermelha, que representam os neurônios Pomc que já existiam nos roedores. Nos que produziram novos neurônios induzidos pela dieta rica em DHA, surgiram também pontos em verde, novas células nervosas marcadas pelo composto BrdU. “Avaliamos outras regiões do cérebro e a neurogênese estimulada pelo ômega 3 parece ocorrer predominantemente em certas áreas do hipotálamo”, diz o biólogo Lucas Nascimento, primeiro autor do estudo, que defendeu sua tese de doutorado sobre o tema no ano passado na Unicamp (atualmente ele faz estágio de pós-doutorado no Helmholtz Zentrum, na Alemanha). Os pesquisadores do Cepid também encontraram indícios de que o DHA estimularia a neurogênese ao interagir com duas proteínas, o fator de crescimento derivado do cérebro (BDNF) e o receptor de ácidos graxos GPR40. Quando inibiram a ação dessas duas proteínas no hipotálamo, a formação de novos neurônios diminuiu.
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Barreira entre o cérebro e o sangue
As gorduras parecem exercer efeitos positivos ou negativos diretamente em certas regiões do cérebro porque, em mais situações do que se supunha, conseguem atravessar a barreira hematoencefálica. Esse é o nome dado ao sistema de proteção que evita a entrada no cérebro de substâncias consideradas exógenas ou potencialmente perigosas presentes no sangue. A barreira é semipermeável, deixa passar algumas substâncias e bloqueia outras, e reveste todos os vasos sanguíneos do cérebro. É formada por células endoteliais, cujas junções (o espaço existente entre duas células contíguas) são extremamente justas e reforçadas por astrócitos, células do cérebro com propriedades de suporte, 10 vezes mais abundantes do que os neurônios. Como regra geral, os estudiosos sempre pensaram que as gorduras do sangue não passavam pela barreira.
Mas essa percepção mudou nos últimos 10 anos. Em 2005, um artigo assinado por Velloso e colegas da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Endocrinology, foi um dos primeiros a sugerir que camundongos obesos apresentavam uma inflamação persistente no hipotálamo e desenvolviam resistência à insulina e à leptina, condições que abrem caminho para a ocorrência do diabetes. “Os neurônios dos animais que comeram uma dieta rica em gordura saturada paravam de responder a esses hormônios depois de algumas semanas”, afirma Velloso. A insulina é responsável por carregar a glicose para o interior das células, onde o açúcar é transformado em energia essencial à vida. A leptina induz a saciedade.
Essas alterações no hipotálamo são suficientes para criar um quadro que favoreceria a manutenção da obesidade e o surgimento de distúrbios geralmente associados ao ganho de peso, como o diabetes e os problemas cardíacos – e a raiz desse mau funcionamento seria a morte de neurônios provocada pela adoção permanente de dietas ricas em gorduras saturadas.
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Extensão do dano cerebral
Em trabalhos mais recentes, o grupo coordenado por Velloso e equipes de outros centros no exterior têm se dedicado a tentar caracterizar a extensão do dano cerebral causado por esse padrão de alimentação. Os pesquisadores acreditam que o consumo contínuo e excessivo de ácidos graxos saturados leva ao rompimento da barreira hematoencefálica em certas sub-regiões do hipotálamo. Desorganizado esse sistema de defesa do cérebro, ocorre a inflamação crônica e a eventual morte de neurônios do tipo Pomc. “Uma alteração pequena na barreira pode produzir efeitos no hipotálamo, região muito sensível do cérebro”, diz o neurologista Fernando Cendes, professor da FCM-Unicamp e coordenador do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e em Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês), outro Cepid. Os estudos em que se avalia o hipotálamo de seres humanos por ressonância magnética são fruto de intensa colaboração entre os Cepids OCRC e Brainn.
Aparentemente, o impacto de uma dieta rica em gorduras saturadas ocorre em setores bem delimitados da base do cérebro. Um estudo feito pela farmacêutica Albina Ramalho, que faz parte de sua tese de doutorado a ser defendida no fim deste mês na FCM-Unicamp, encontrou indícios de que os danos à barreira hematoencefálica induzidos pelo ganho de peso se manifestam precocemente em uma região adjacente ao hipotálamo, a eminência média. “Esse é o primeiro lugar em que ocorre a desorganização da barreira”, diz Albina, que é orientada em sua pesquisa pela professora Eliana de Araújo e por Velloso. Após terem sido submetidos por quatro semanas a uma dieta com 30% de gordura saturada, os tanicitos, células alongadas da glia que fazem a ligação entre o sistema nervoso central e os capilares sanguíneos da barreira, apresentaram perda de coesão e linearidade. Em outras três regiões cerebrais próximas à eminência média, os efeitos deletérios da dieta hiperlipídica demoraram mais tempo para aparecer.
Há evidências de que os tanicitos são as células responsáveis por “decidir” o que passa pela barreira. Para reforçar a hipótese de que o consumo de alimentos com alto teor de gordura saturada desestrutura o sistema de defesa do cérebro na região do hipotálamo, Albina injetou também nos animais um tipo de açúcar que normalmente não atravessa a barreira conjugado com uma substância que emite fluorescência. Nos roedores submetidos à dieta hiperlipídica, o polissacarídeo furou a barreira e foi encontrado na eminência média e no hipotálamo.
© CHRIS GOLDBERG / FLICKR
Gorduras saturadas, presentes em carnes vermelhas, e do tipo trans, comuns em  alimentos processados,  alterariam o funcionamento dos sensores cerebrais da fome e da saciedade
Gorduras saturadas, presentes em carnes vermelhas, e do tipo trans, comuns em alimentos processados, alterariam o funcionamento dos sensores cerebrais da fome e da saciedade
Obesidade como doença
Uma das dificuldades óbvias dos estudos sobre o impacto de dietas ricas em gorduras no cérebro é tentar reproduzir em seres humanos os experimentos realizados com os animais. Afinal, para averiguar os impactos no sistema nervoso central é necessário sacrificar os camundongos ao final dos estudos e extrair seu cérebro. Essa limitação é parcialmente contornada com o emprego de técnicas de imagem não invasivas, como a ressonância magnética funcional, que permite ver a ativação de certas áreas do cérebro em tempo real. Um estudo de 2011 do grupo de Velloso, também publicado na revista Diabetes, sinaliza que o hipotálamo de indivíduos obesos mórbidos, ex-obesos (que se submeteram à cirurgia bariátrica, de redução do estômago) e magros reage de forma distinta a estímulos alimentares. Os magros se sentiam saciados mais rapidamente do que os obesos depois de terem recebido glicose. “Os que fizeram a cirurgia apresentaram um padrão intermediário de ativação do hipotálamo”, diz Velloso. “Mas não sabemos se isso se mantém ao longo do tempo porque muitos voltam a ganhar peso.”
O fisiologista José Donato Junior, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, elogia os resultados obtidos pelos colegas do Cepid OCRC. “Eles reforçam a ideia de que a obesidade não é resultado de um simples desleixo do indivíduo”, afirma Donato Junior, atualmente dedicado a estudar fatores de risco que levam as mulheres a engordar. “Ela deve ser vista como uma doença.” O pesquisador da USP, no entanto, faz algumas ressalvas. Os estudos com camundongos não podem ser simplesmente transpostos para a realidade humana. “Ninguém come uma dieta com 30% ou 40% de gordura saturada, como a oferecida aos camundongos nos estudos”, diz Donato Junior. “Mas essa crítica serve para os experimentos de todo mundo, inclusive os meus. Os modelos animais aceleram e exageram os processos metabólicos.”
As lesões no hipotálamo induzidas pelo consumo excessivo de gorduras saturadas devem estar associadas a muitos casos de obesidade, mas não a todos, pondera Donato Junior. A ação do neurotransmissor dopamina, de importância capital para o funcionamento do sistema de recompensa, pode estar por trás de uma parcela das ocorrências de indivíduos obesos. “A pessoa pode não ter lesão alguma no hipotálamo e simplesmente ser viciada em comer”, afirma ele.
Para o bioquímico brasileiro Marcelo Dietrich, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos, que também estuda os efeitos de dietas ricas em gorduras saturadas nos circuitos da fome e da saciedade no hipotálamo, não é uma tarefa simples determinar se a inflamação cerebral é causa ou consequência da obesidade. “O hipotálamo é visto como um circuito cerebral que deu certo e está presente em quase todos os mamíferos”, diz Dietrich. “Mas entre 7% e 10% dos casos de obesidade infantil são de origem genética e também ativam esse mesmo circuito.”
Ninguém dúvida de que vários fatores podem aumentar ou diminuir o risco de se tornar obeso, como o tipo de dieta, distúrbios metabólicos e genéticos e hábitos ligados ao estilo de vida (fazer ou não exercício regularmente, por exemplo). Também é sabido que se alimentar de produtos com muita gordura saturada ou trans engorda. E, como é hoje notório, ganhar peso em excesso aumenta o risco de diabetes, problemas cardíacos e câncer. A contribuição principal dos estudos do grupo de Velloso é reforçar o papel que os diferentes tipos de gordura – as saturadas e as insaturadas – parecem ter sobre o funcionamento do sistema regulador da fome, da saciedade e do gasto de energia localizado no hipotálamo. A exemplo do que fazem no coração, as gorduras “boas” aparentemente atenuam o dano cerebral associado à ingestão das gorduras “ruins”. “A inflamação cerebral pode até não ser a causa da obesidade, mas ela modula essa condição e ajuda a perpetuá-la”, diz o neurologista Fernando Cendes.

Projeto
Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade e Doenças Associadas (nº 2013/07607-8); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Lício Velloso (FCM-Unicamp); Investimento R$ 14.579.597,41 (para todo o Cepid).

Artigos científicos
NASCIMENTO, L. F. R. et al. Omega-3 fatty acids induce neuro­genesis of predominantly Pomc-expressing cells in the hypothalamus. Diabetes. 28 out. 2015.
VAN DE SANDE-LEE, S. et al. Partial reversibility of hypothalamic dysfunction and changes in brain activity after body mass reduction in obese subjects. Diabetes. v. 60, n. 6, p. 1699-704. jun. 2011.
DE SOUSA, C. T. et al. Consumption of a fat-rich diet activates a proinflammatory response and induces insulin resistance in the hypothalamus. Endocrinology. v. 146. n. 10, p. 4192-9. out. 2005.

De letra musical para os Laboratórios mais conceituados em cosmetologia, o UMBU CAJÁ está ganhando cada vez mais espaço.....


© FABIO COLOMBINI
O umbuzeiro se destaca no sertão nordestino. Mesmo no período de seca os frutos são suculentos
O umbuzeiro se destaca no sertão nordestino. Mesmo no período de seca os frutos são suculentos


© EDUARDO CESAR
Depois dos testes positivos e um prêmio, falta agora o interesse de uma empresa
Depois dos testes positivos e um prêmio, falta agora o interesse de uma empresa


Da manga rosa
Quero gosto e o sumo
Melão maduro, sapoti, juá
Jaboticaba, teu olhar noturno
Beijo travoso de UMBU CAJÁ.....


DISPONÍVEL:http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/o-cosmetico-que-vem-da-caatinga/?cat=tecnologia
ACESSO: 29/02/2016 as 15:06h

Típico da Caatinga, o umbu, fruto do umbuzeiro, é conhecido por suas ricas propriedades nutricionais, com destaque para o elevado teor de vitamina C, alto índice aquoso e vários componentes voláteis, especialmente nos frutos maduros. No sertão nordestino, ele é largamente consumido in natura ou processado, na forma de polpa, geleia, doce ou sorvete. Recentemente, um grupo de cientistas brasileiros e suíços concluiu um estudo que revelou novas propriedades dessa fruta arredondada, de casca aveludada e sabor levemente azedo. Eles descobriram que o umbu (Spondias tuberosa) é rico em compostos fenólicos com atividade antioxidante, o que faz dele um insumo potencial para fabricação de cosméticos com ação sobre o envelhecimento da pele, como cremes antirrugas ou contra flacidez. Duas das substâncias identificadas são inéditas.
Coordenada pela farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp) de Araraquara, a pesquisa teve a participação da Universidade de Genebra (Unigen), na Suíça, e do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), empresa privada sem fins lucrativos com sede em Florianópolis (SC). “O estudo fornece a primeira documentação completa sobre o isolamento de compostos da polpa do umbu, com propriedades antioxidantes e rejuvenescedoras da pele”, explica Maria Luiza Zeraik, que atuou na equipe quando fazia pós-doutorado. Atualmente, ela é professora do Departamento de Química do Centro de Ciências Exatas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. “Um aspecto relevante do nosso estudo é promover uma inovação tecnológica com valor social para a região Nordeste”, diz Maria Luiza. O umbuzeiro é importante na Caatinga porque dá frutos durante a estação seca e representa uma fonte de renda para a população local.
A pesquisa contou com recursos dos governos suíço e brasileiro e teve financiamento da FAPESP por meio de uma bolsa de pós-doutorado, concedida à Maria Luiza, além de um projeto do Sisbiota, programa do CNPq em parceria com a Fundação. A partir de 2014, o estudo integrou a carteira de projetos do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, coordenado por Glaucius Oliva, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFSC-USP) de São Carlos.
Dois pedidos de patentes foram depositados no Brasil e no exterior. Eles são pertinentes ao processo de extração e isolamento de compostos presentes na polpa do umbu relativos às propriedades antioxidantes, à inibição da acetilcolinesterase, enzima que promove as ligações (sinapses) entre os neurônios. “As substâncias relacionadas à acetilcolinesterase poderiam, no futuro, originar um medicamento ou um suplemento alimentar para tratar a perda da memória, quadro comum em idosos”, diz Vanderlan.
Foco na biodiversidade
As descobertas sobre o umbu fizeram parte de um estudo mais amplo com o objetivo de investigar as propriedades de 22 frutos pertencentes à biodiversidade brasileira visando a seu potencial uso na indústria de cosméticos e de alimentos. Esse projeto fez parte do Convênio Bilateral entre Brasil e Suiça, ou Brazilian Swiss Joint Research Programme (BSJRP), coordenado no lado brasileiro pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto foi iniciado em 2011 e concluído em 2014, no IQ-Unesp, responsável pela triagem química e biológica inicial de frutos nativos ou endêmicos das regiões Norte e Nordeste do país. Além do umbu, também estão na lista do estudo as frutas bacuri, ciriguela, mangaba, pitomba e cajá, entre outras.
“O processo de preparo de amostras dos frutos, a extração dos componentes químicos por métodos analíticos usuais e os ensaios químicos preliminares dos extratos foram feitos no nosso laboratório NuBBE [Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais, laboratório com selo verde que excluiu o uso de solventes clorados e outros derivados de petróleo em muitas etapas de extração e purificação]”, explica Vanderlan, que também é membro da coordenação do Programa Biota-FAPESP, cujo objetivo é mapear e analisar a biodiversidade paulista e avaliar as possibilidades de exploração sustentável de plantas ou de outros organismos com potencial econômico. “Todas as partes dos frutos [cascas, polpas, sementes] foram analisadas, resultando em mais de 100 extratos. Dentre eles, separamos alguns bastante ativos e a polpa do umbu mostrou-se excelente para iniciar a pesquisa.” Outros frutos – cujos nomes são mantidos em sigilo pelo grupo – também apresentaram atividades de interesse e serão estudados posteriormente.
A parceria com a Universidade de Genebra, um importante centro europeu de pesquisa em produtos naturais, teve um orçamento de 173,4 mil francos suíços (equivalentes a atuais R$ 700 mil), divididos entre os governos do Brasil (35% do total) e da Suíça. “Empregamos metodologias inovadoras de caracterização química, detectamos, isolamos e identificamos os compostos químicos presentes no umbu responsáveis pela atividade de inibição da acetilcolinesterase, enzima-alvo para o tratamento da doença de Alzheimer”, destaca o farmacêutico brasileiro Emerson Queiroz, professor da Escola de Ciências Farmacêuticas da Unigen, na Suiça. Os ensaios biológicos in vitro com os compostos puros foram realizados pela professora Muriel Cuendet, da mesma universidade.
Como parte do programa suíço-brasileiro, a química Maria Luiza, na época estagiária de pós-doutorado supervisionada por Vanderlan, ficou nove meses na Universidade de Genebra. Nesse período, ela aprendeu os princípios do estudo metabolômico realizado pelo grupo dos professores Jean-Luc Wolfender e Emerson Queiroz. Wolfender é o chefe do Laboratório de Fitoquímica e Produtos Naturais Bioativos da universidade e coordenador do projeto bilateral por parte da instituição suíça. “Metabolônica é uma abordagem avançada sobre o mapeamento químico ideal para quantificar todos os produtos naturais de um organismo”, explica Maria Luiza. “Ela é usada para estudarmos todos os compostos metabólicos secundários de uma planta e, por meio dessas análises, obtém-se um fingerprint, a identidade metabólica vegetal, como um painel das substâncias químicas presentes na espécie.” Para Emerson, a formação de recursos humanos e a transferência de conhecimento e tecnologia para o Brasil é outro aspecto relevante do programa bilateral Brasil-Suíça.
Ensaios in vitro
Depois da caracterização feita na Suíça, os extratos de umbu foram padronizados e enviados para o CIEnP, em Florianópolis, para estudos de prova de conceito, fase essencial quando se almeja posterior colaboração industrial visando a um possível produto. “Fizemos aqui estudos in vitro em células humanas da pele – melanócitos e queratinócitos – para avaliar o uso do produto no desenvolvimento de cosméticos com ação sobre o envelhecimento”, explica João Batista Calixto, diretor-presidente do CIEnP e ex-professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Durante quase um ano, realizamos por volta de 30 ensaios, envolvendo várias enzimas e mediadores inflamatórios potencialmente responsáveis pelo envelhecimento da pele.”
Financiado pelo governo do estado de Santa Catarina e pelos ministérios da Saúde (MS) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CIEnP foi criado há dois anos com a missão de contribuir para a inovação tecnológica nos setores farmacêutico (medicamentos de uso humano e veterinário) e de cosméticos. A maioria dos projetos desenvolvidos na instituição se dá em conjunto com o setor industrial. A pesquisa envolvendo o umbu foi a primeira parceria do centro com uma universidade e a primeira prova de conceito realizada no CIEnP com um produto da biodiversidade brasileira. Segundo Calixto, o extrato padronizado do umbu mostrou-se seguro e com toxicidade em níveis aceitáveis. “Esses resultados mostraram que o fruto tem potencial para ser usado como cosmético na prevenção de sintomas de inflamação da pele observados durante o processo de envelhecimento”, diz ele. “Agora, estamos procurando uma empresa interessada na produção e na comercialização desse bioativo.”
Em dezembro de 2015, Vanderlan Bolzani, João Batista Calixto e Maria Luiza Zeraik receberam o Prêmio Kurt Politzer de Tecnologia, na categoria Pesquisador, pelo projeto “Utilização sustentável da polpa dos frutos do umbu e umbu-cajá: produtos fenólicos de alto valor agregado para a indústria de cosmético com propriedades antienvelhecimento”. O reconhecimento é concedido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) a projetos de empresas e cientistas que estimulam a pesquisa e a inovação na área química no país.

Projetos
1. Prospecção de moléculas bioativas e estudo de variabilidade infraespecífica em plantas e microrganismos endófitos do Cerrado e Caatinga. Contribuição para o conhecimento e uso sustentável da biodiversidade brasileira (Sisbiota) (nº 2010/52327-5); Modalidade Programa Biota; Pesquisadora responsável Vanderlan Bolzani (Unesp); Investimento R$ 552.668,55 e US$ 246.950,72.
2. Produtos naturais oriundos de plantas do Cerrado e Mata Atlântica, modelos potenciais e úteis para identificar protótipos com ação oxidante em neutrófilos e enzima mieloperoxidase (MPO) (nº 2011/03017-6); Modalidade Bolsa de pós-doutorado (Maria Luiza Zeraik); Pesquisadora responsável Vanderlan Bolzani (Unesp); Investimento R$ 297.813,41.
3. CIBFar – Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (nº 2013/07600-3); Modalidade Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Glaucius Oliva (IFSC-USP); Investimento R$ 21.485.493,35 (em quatro anos).
 
Artigo científico
Zeraik, M.L. et. al. Antioxidants, quinone reductase inducers and acetylcholinesterase inhibitors from Spondias tuberosa fruits. Journal of Functional Foods. v. 21, 396-405, on-line. jan. 2016.



Óleo fúsel e dióxido de carbono gerados na fabricação de etanol podem ser aproveitados na produção de substâncias químicas de uso industrial

DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/residuos-reciclados/?cat=tecnologia
ACESSO: 29/02/2016 as 14:55h

      Líquido viscoso, de cor amarelada e odor desagradável, o óleo fúsel é o menos conhecido dos resíduos da indústria sucroalcooleira. Para cada mil litros de etanol são gerados, em média, 2,5 litros de fúsel. O composto é formado por vários álcoois em que apenas uma pequena parte dos cerca de 80 milhões de litros produzidos no Brasil a cada ano é destinada à fabricação de um tipo de álcool chamado isoamílico. Outra parte é queimada para gerar energia para as usinas. As indústrias, no entanto, não informam o quanto é transformado em isoamílico, a porcentagem queimada e a quantidade descartada. Com o objetivo de reaproveitar melhor esse resíduo, dois grupos de pesquisa estudam o óleo fúsel para transformá-lo em um produto de maior valor. Em um dos grupos, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT-Unesp), campus de Presidente Prudente, o professor Eduardo René Pérez González coordena um projeto que propõe a reciclagem em um processo único do óleo fúsel e do dióxido de carbono (CO2), um dos gases do efeito estufa, também gerado nas usinas.
     Em estudo publicado na revista RSC Advances da Royal Society of Chemistry, o grupo da Unesp indica que o processamento dos dois rejeitos pode levar à produção de carbonatos de alquila para uso em aditivos de combustíveis, fármacos e fungicidas. “Nosso objetivo é agregar valor a esses resíduos ao combiná-los para formar compostos químicos com diversas utilidades potenciais ou já conhecidas”, explica González. “Nos países mais desenvolvidos, o que mais se busca é dar uma solução para o CO2. Aqui conseguimos em escala laboratorial. As principais substâncias obtidas são os carbonatos de alquila, que em princípio podem ser considerados como agentes intermediários em síntese orgânica de outras substâncias químicas.” Isso significa que elas podem servir para, entre outras aplicações, produzir carbamatos, potenciais fungicidas para proteção de plantações de cana ou de outras culturas.
    A aluna de doutorado Fernanda Stuani, orientanda de González no Laboratório de Química Orgânica Fina (LQOF) da FCT-Unesp, explica que durante os experimentos foram testados dois processos. “No primeiro, destilamos o fúsel para extração dos álcoois isoamílicos, com os quais se produzem carbonatos de alquila. Como seria difícil viabilizar economicamente esse processo, porque as usinas teriam primeiro de destilar o óleo para depois produzir o carbonato, também tentamos, no segundo processo, fazer isso direto do fúsel.” Nos experimentos, foi usado dióxido de carbono adquirido comercialmente, mas a ideia é aproveitar o que é gerado nas usinas durante a produção de etanol. “Mais adiante, com a colaboração de engenheiros químicos e ambientais, tentaremos fazer um estudo para levar essa tecnologia a uma escala maior de trabalho”, acrescenta González.

Informações e descarte
     O outro grupo que estuda o destino do fúsel é coordenado por Eduardo Augusto Caldas Batista, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA-Unicamp). São projetos que visam obter o álcool isoamílico com tecnologias mais avançadas – o produto tem aplicações nas indústrias de tintas, plastificantes, perfumaria e de alimentos. Para ele, uma das dificuldades para realizar as pesquisas é a escassez de informações sobre o aproveitamento do fúsel. “Como o mercado desse resíduo não está bem estabelecido, é difícil obter informações sobre preço, utilização e destino”, diz. De acordo com o pesquisador, sabe-se que o resíduo pode ser adicionado ao etanol combustível. Mas não se sabe o que as empresas sucroalcooleiras fazem com ele, exatamente, nem como é descartado. “Como é altamente tóxico, esse resíduo não pode ser descartado sem tratamento no meio ambiente.”
    No trabalho de Batista, a proposta é estudar configurações de processo para produção de álcool isoamílico integrada à produção de etanol a partir do óleo residual. “As configurações podem ser acopladas à produção convencional de etanol ou ainda em sistemas independentes”, diz. “A linha de pesquisa começou em 2010 e continuou em 2012 com o projeto de doutorado do estudante Magno José de Oliveira”, conta Batista. Ao longo dos estudos foram desenvolvidas três configurações de processo para recuperar o isoamílico, que faz parte da composição do óleo. O estudo resultou em um artigo em 2013 na revista Industrial and Engineering Chemistry Research. O projeto de Oliveira propõe duas configurações de processo: uma integrada a uma planta de produção de etanol hidratado e outra que, além de obter isoamílico do óleo, também consegue recuperar butanol e etanol presentes no resíduo. “Esses dois processos estão com depósitos de pedido de patente no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial]”, diz Batista.
    O professor Antonio Aprigio da Silva Curvelo, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), conta que a captura e a utilização de dióxido de carbono vêm sendo estudadas há anos. “Quanto ao aproveitamento do óleo fúsel, ainda não se mostrou importante do ponto de vista industrial, embora possa encontrar algumas aplicações”, diz Curvelo. Para ele, o maior mérito do trabalho é a contribuição acadêmica como rota alternativa para o uso dessas matérias-primas e a elucidação dos mecanismos envolvidos nas reações estudadas.

Projetos
1. Estudo de reações de síntese limpa e modificação química do biodiesel e óleo fúsel para preparação de carbonatos e carbamatos orgânicos utilizando dióxido de carbono na presença de organocatalisadores e catalisadores heterogêneos (nº 2013/24487-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Eduardo René Pérez González (FCT-Unesp); Investimento R$ 106.024,75 e US$ 58.568,54.
2. Phase equilibrium and purification processes in the production of biofuels and biocompounds (nº 2008/56258-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Bioen – Projeto Temático-Pronex; Pesquisador responsável Antônio José de Almeida Meirelles (FEA-Unicamp); Investimento R$ 1.307.138,81 e US$ 629.087,74.
 
Artigos científicos
PEREIRA, F. S. et al. Cycling of waste fusel alcohols from sugar cane in­dustries using supercritical carbon dioxide. RSC Advances. v. 5, n. 99, p. 81515-22. 2015.
FERREIRA, M. C. et al. Study of the fusel oil distillation process. Industrial and Engineering Chemistry Research. v. 52, n. 6, p. 2336-51. 2013.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

OLHA A GORDURA AI GENTE!!!!!


© CHRIS GOLDBERG / FLICKR
Gorduras saturadas, presentes em carnes vermelhas, e do tipo trans, comuns em  alimentos processados,  alterariam o funcionamento dos sensores cerebrais da fome e da saciedade
Gorduras saturadas, presentes em carnes vermelhas, e do tipo trans, comuns em alimentos processados, alterariam o funcionamento dos sensores cerebrais da fome e da saciedade


© LÉO RAMOS
Salmão e linhaça: alimentos ricos em gorduras insaturadas, como ômega 3, parecem combater inflamação cerebral associada ao ganho de peso
Salmão e linhaça: alimentos ricos em gorduras insaturadas, como ômega 3, parecem combater inflamação cerebral associada ao ganho de peso


DISPONÍVEL: http://revistapesquisa.fapesp.br/2016/02/19/uma-gordura-contra-a-obesidade/
ACESSO: 23/02/2016 AS 10:54h



As reações do corpo humano à ingestão de dietas ricas em gorduras são complexas e marcadas por aspectos positivos e negativos. O coração é provavelmente o órgão em que os potenciais malefícios e benefícios dessa relação dual são mais conhecidos. Alguns tipos de ácidos graxos tendem a se depositar nos tecidos, elevar a pressão arterial e aumentar os riscos de problemas cardíacos. Esse é o caso das gorduras saturadas, encontradas na carne vermelha, em aves e derivados do leite integral, e das trans, produzidas a partir da modificação de óleos vegetais e usadas em grande parte dos alimentos processados industrialmente. Já outras formas de gordura, como as insaturadas, parecem contribuir para manter baixos os níveis de colesterol e da pressão e relativamente limpos os vasos sanguíneos. Nas últimas duas décadas, uma relação igualmente intrincada com os diferentes tipos de gordura começou a ser esmiuçada em outro órgão vital – o cérebro.
Novos estudos têm levantado indícios de que a obesidade, marcada geralmente por um consumo excessivo de gorduras saturadas e trans como parte de hábitos alimentares e de um estilo de vida pouco saudáveis, produziria uma inflamação contínua no hipotálamo. Os danos a essa região, que fica na base do cérebro e funciona como um sensor de nutrientes, levariam à morte dos neurônios responsáveis por controlar as sensações de fome e de saciedade e o gasto de energia. Assim, o mau funcionamento dos circuitos que regulam o comportamento alimentar – o indivíduo sente fome logo depois de uma farta refeição – contribuiria para perpetuar o ganho de peso. Esse é um dos efeitos deletérios possivelmente ocasionados pelo acúmulo de gorduras saturadas no sistema nervoso central. Um trabalho recente do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, na sigla em inglês), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP, sinaliza que o dano cerebral em animais obesos, alimentados com dietas ricas em gorduras saturadas, poderia ser parcialmente revertido por meio do consumo de alimentos ou compostos ricos em outro tipo de gordura, as insaturadas, basicamente as mesmas que são benéficas ao coração.
Pesquisadores do OCRC deram, de duas maneiras distintas, ácidos graxos insaturados da família dos ômega 3 para camundongos obesos e constataram a formação de novos neurônios no hipotálamo. Para um grupo de roedores, forneceram uma dieta rica em ômega 3, presente em grandes quantidades em algas, em peixes de água fria, como salmão e atum, e na linhaça. Para outro, injetaram ácido docosa-hexaenoico (DHA), ácido graxo poli-insaturado da família dos ômega 3, diretamente no hipotálamo. Um terceiro grupo recebeu apenas uma solução salina em sua dieta.
Oito semanas mais tarde, constataram o surgimento no hipotálamo de neurônios do tipo Pomc, que modulam a sensação de saciedade, nos roedores que se alimentaram de comida rica em ômega 3 e nos que receberam doses de DHA. O grupo de controle não apresentou formação de novos neurônios. “Esse é o primeiro trabalho que mostra neurogênese no hipotálamo induzida por um nutriente alimentar, como a dieta rica em ômega 3”, afirma o médico Lício Velloso, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), coordenador do centro e do estudo com os animais. “Talvez as gorduras insaturadas possam ser uma forma de minimizar a morte de neurônios causada pela inflamação do cérebro associada à obesidade.” O estudo foi publicado na revista científica norte-americana Diabetes em 28 de outubro de 2015.
Os pesquisadores conseguem identificar os novos neurônios, cuja formação foi estimulada pela dieta rica em ômega 3, entre os que já existiam no cérebro dos roedores porque usam um marcador celular para diferenciá-los. Eles administram nos animais um marcador de proliferação celular denominado BrdU, um nucleosídeo (uma base nitrogenada ligada a um açúcar) sintético análogo à timidina, que pode ser conjugado com um anticorpo fluorescente. Durante a síntese de DNA, o BrdU toma o lugar da timidina e se insere no material genético quando novas células são geradas. Dessa forma, o composto é uma ferramenta molecular útil para averiguar se há nascimento de neurônios no cérebro.
No experimento feito no OCRC, os pesquisadores geraram imagens da região do hipotálamo dos camundongos obesos obtidas por microscopia confocal. Nos animais em que não houve neurogênese, apareceram apenas células da cor vermelha, que representam os neurônios Pomc que já existiam nos roedores. Nos que produziram novos neurônios induzidos pela dieta rica em DHA, surgiram também pontos em verde, novas células nervosas marcadas pelo composto BrdU. “Avaliamos outras regiões do cérebro e a neurogênese estimulada pelo ômega 3 parece ocorrer predominantemente em certas áreas do hipotálamo”, diz o biólogo Lucas Nascimento, primeiro autor do estudo, que defendeu sua tese de doutorado sobre o tema no ano passado na Unicamp (atualmente ele faz estágio de pós-doutorado no Helmholtz Zentrum, na Alemanha). Os pesquisadores do Cepid também encontraram indícios de que o DHA estimularia a neurogênese ao interagir com duas proteínas, o fator de crescimento derivado do cérebro (BDNF) e o receptor de ácidos graxos GPR40. Quando inibiram a ação dessas duas proteínas no hipotálamo, a formação de novos neurônios diminuiu.
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Barreira entre o cérebro e o sangue
As gorduras parecem exercer efeitos positivos ou negativos diretamente em certas regiões do cérebro porque, em mais situações do que se supunha, conseguem atravessar a barreira hematoencefálica. Esse é o nome dado ao sistema de proteção que evita a entrada no cérebro de substâncias consideradas exógenas ou potencialmente perigosas presentes no sangue. A barreira é semipermeável, deixa passar algumas substâncias e bloqueia outras, e reveste todos os vasos sanguíneos do cérebro. É formada por células endoteliais, cujas junções (o espaço existente entre duas células contíguas) são extremamente justas e reforçadas por astrócitos, células do cérebro com propriedades de suporte, 10 vezes mais abundantes do que os neurônios. Como regra geral, os estudiosos sempre pensaram que as gorduras do sangue não passavam pela barreira.
Mas essa percepção mudou nos últimos 10 anos. Em 2005, um artigo assinado por Velloso e colegas da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Endocrinology, foi um dos primeiros a sugerir que camundongos obesos apresentavam uma inflamação persistente no hipotálamo e desenvolviam resistência à insulina e à leptina, condições que abrem caminho para a ocorrência do diabetes. “Os neurônios dos animais que comeram uma dieta rica em gordura saturada paravam de responder a esses hormônios depois de algumas semanas”, afirma Velloso. A insulina é responsável por carregar a glicose para o interior das células, onde o açúcar é transformado em energia essencial à vida. A leptina induz a saciedade.
Essas alterações no hipotálamo são suficientes para criar um quadro que favoreceria a manutenção da obesidade e o surgimento de distúrbios geralmente associados ao ganho de peso, como o diabetes e os problemas cardíacos – e a raiz desse mau funcionamento seria a morte de neurônios provocada pela adoção permanente de dietas ricas em gorduras saturadas.
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 Extensão do dano cerebral

Em trabalhos mais recentes, o grupo coordenado por Velloso e equipes de outros centros no exterior têm se dedicado a tentar caracterizar a extensão do dano cerebral causado por esse padrão de alimentação. Os pesquisadores acreditam que o consumo contínuo e excessivo de ácidos graxos saturados leva ao rompimento da barreira hematoencefálica em certas sub-regiões do hipotálamo. Desorganizado esse sistema de defesa do cérebro, ocorre a inflamação crônica e a eventual morte de neurônios do tipo Pomc. “Uma alteração pequena na barreira pode produzir efeitos no hipotálamo, região muito sensível do cérebro”, diz o neurologista Fernando Cendes, professor da FCM-Unicamp e coordenador do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e em Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês), outro Cepid. Os estudos em que se avalia o hipotálamo de seres humanos por ressonância magnética são fruto de intensa colaboração entre os Cepids OCRC e Brainn.
Aparentemente, o impacto de uma dieta rica em gorduras saturadas ocorre em setores bem delimitados da base do cérebro. Um estudo feito pela farmacêutica Albina Ramalho, que faz parte de sua tese de doutorado a ser defendida no fim deste mês na FCM-Unicamp, encontrou indícios de que os danos à barreira hematoencefálica induzidos pelo ganho de peso se manifestam precocemente em uma região adjacente ao hipotálamo, a eminência média. “Esse é o primeiro lugar em que ocorre a desorganização da barreira”, diz Albina, que é orientada em sua pesquisa pela professora Eliana de Araújo e por Velloso. Após terem sido submetidos por quatro semanas a uma dieta com 30% de gordura saturada, os tanicitos, células alongadas da glia que fazem a ligação entre o sistema nervoso central e os capilares sanguíneos da barreira, apresentaram perda de coesão e linearidade. Em outras três regiões cerebrais próximas à eminência média, os efeitos deletérios da dieta hiperlipídica demoraram mais tempo para aparecer.
Há evidências de que os tanicitos são as células responsáveis por “decidir” o que passa pela barreira. Para reforçar a hipótese de que o consumo de alimentos com alto teor de gordura saturada desestrutura o sistema de defesa do cérebro na região do hipotálamo, Albina injetou também nos animais um tipo de açúcar que normalmente não atravessa a barreira conjugado com uma substância que emite fluorescência. Nos roedores submetidos à dieta hiperlipídica, o polissacarídeo furou a barreira e foi encontrado na eminência média e no hipotálamo.

Obesidade como doença
 
Uma das dificuldades óbvias dos estudos sobre o impacto de dietas ricas em gorduras no cérebro é tentar reproduzir em seres humanos os experimentos realizados com os animais. Afinal, para averiguar os impactos no sistema nervoso central é necessário sacrificar os camundongos ao final dos estudos e extrair seu cérebro. Essa limitação é parcialmente contornada com o emprego de técnicas de imagem não invasivas, como a ressonância magnética funcional, que permite ver a ativação de certas áreas do cérebro em tempo real. Um estudo de 2011 do grupo de Velloso, também publicado na revista Diabetes, sinaliza que o hipotálamo de indivíduos obesos mórbidos, ex-obesos (que se submeteram à cirurgia bariátrica, de redução do estômago) e magros reage de forma distinta a estímulos alimentares. Os magros se sentiam saciados mais rapidamente do que os obesos depois de terem recebido glicose. “Os que fizeram a cirurgia apresentaram um padrão intermediário de ativação do hipotálamo”, diz Velloso. “Mas não sabemos se isso se mantém ao longo do tempo porque muitos voltam a ganhar peso.”
O fisiologista José Donato Junior, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, elogia os resultados obtidos pelos colegas do Cepid OCRC. “Eles reforçam a ideia de que a obesidade não é resultado de um simples desleixo do indivíduo”, afirma Donato Junior, atualmente dedicado a estudar fatores de risco que levam as mulheres a engordar. “Ela deve ser vista como uma doença.” O pesquisador da USP, no entanto, faz algumas ressalvas. Os estudos com camundongos não podem ser simplesmente transpostos para a realidade humana. “Ninguém come uma dieta com 30% ou 40% de gordura saturada, como a oferecida aos camundongos nos estudos”, diz Donato Junior. “Mas essa crítica serve para os experimentos de todo mundo, inclusive os meus. Os modelos animais aceleram e exageram os processos metabólicos.”
As lesões no hipotálamo induzidas pelo consumo excessivo de gorduras saturadas devem estar associadas a muitos casos de obesidade, mas não a todos, pondera Donato Junior. A ação do neurotransmissor dopamina, de importância capital para o funcionamento do sistema de recompensa, pode estar por trás de uma parcela das ocorrências de indivíduos obesos. “A pessoa pode não ter lesão alguma no hipotálamo e simplesmente ser viciada em comer”, afirma ele.
Para o bioquímico brasileiro Marcelo Dietrich, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos, que também estuda os efeitos de dietas ricas em gorduras saturadas nos circuitos da fome e da saciedade no hipotálamo, não é uma tarefa simples determinar se a inflamação cerebral é causa ou consequência da obesidade. “O hipotálamo é visto como um circuito cerebral que deu certo e está presente em quase todos os mamíferos”, diz Dietrich. “Mas entre 7% e 10% dos casos de obesidade infantil são de origem genética e também ativam esse mesmo circuito.”
Ninguém dúvida de que vários fatores podem aumentar ou diminuir o risco de se tornar obeso, como o tipo de dieta, distúrbios metabólicos e genéticos e hábitos ligados ao estilo de vida (fazer ou não exercício regularmente, por exemplo). Também é sabido que se alimentar de produtos com muita gordura saturada ou trans engorda. E, como é hoje notório, ganhar peso em excesso aumenta o risco de diabetes, problemas cardíacos e câncer. A contribuição principal dos estudos do grupo de Velloso é reforçar o papel que os diferentes tipos de gordura – as saturadas e as insaturadas – parecem ter sobre o funcionamento do sistema regulador da fome, da saciedade e do gasto de energia localizado no hipotálamo. A exemplo do que fazem no coração, as gorduras “boas” aparentemente atenuam o dano cerebral associado à ingestão das gorduras “ruins”. “A inflamação cerebral pode até não ser a causa da obesidade, mas ela modula essa condição e ajuda a perpetuá-la”, diz o neurologista Fernando Cendes.

Projeto
Centro Multidisciplinar de Pesquisa em Obesidade e Doenças Associadas (nº 2013/07607-8); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Lício Velloso (FCM-Unicamp); Investimento R$ 14.579.597,41 (para todo o Cepid).
Artigos científicos
NASCIMENTO, L. F. R. et al. Omega-3 fatty acids induce neuro­genesis of predominantly Pomc-expressing cells in the hypothalamus. Diabetes. 28 out. 2015.
VAN DE SANDE-LEE, S. et al. Partial reversibility of hypothalamic dysfunction and changes in brain activity after body mass reduction in obese subjects. Diabetes. v. 60, n. 6, p. 1699-704. jun. 2011.
DE SOUSA, C. T. et al. Consumption of a fat-rich diet activates a proinflammatory response and induces insulin resistance in the hypothalamus. Endocrinology. v. 146. n. 10, p. 4192-9. out. 2005.