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ACESSO: 09/06/2015 as 15:24h
Nas Olimpíadas de Berlim, em 1936, a cidade alemã recebeu mais do que
delegações de atletas e turistas. Desembarcaram também na “nova”
Alemanha os primeiros estudantes latino-americanos atraídos por cursos,
congressos e visitas a instituições médicas do país. As excursões
cresceram nos anos seguintes, tornando-se itinerantes. Do Brasil, jovens
graduandos, principalmente da Escola Paulista de Medicina, visitaram
hospitais, laboratórios e órgãos oficiais, em missões
médico-diplomáticas manejadas por ministérios à época dominados pelo
Partido Nazista. Algumas eram promovidas pela Academia Médica
Germano-ibero-americana, fundada em 1935. O objetivo era fomentar as
relações médicas entre Alemanha e países da América Latina.
“A medicina teve papel importante nessas relações diplomáticas porque
gozava de grande prestígio internacional, embora não fosse uma
ferramenta tão visível de propaganda cultural”, diz o historiador André
Felipe Cândido da Silva, da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz
(COC/Fiocruz). “Durante o nacional-socialismo, a corporação médica alemã
foi um dos segmentos que se alinhou mais estreitamente ao novo regime.
Os médicos, como representantes da arena acadêmica, eram porta-vozes
convictos do intenso nacionalismo vigente. E havia a dinâmica indústria
farmacêutica, com interesse em consolidar seus laços com clientes
estrangeiros.” Silva explorou o papel da ciência na diplomacia cultural
alemã entre 1919 e 1950, com ênfase na década de 1930, durante
pós-doutorado realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Por diplomacia
cultural entenda-se o esforço germânico que congregou diplomatas e
cientistas, universidades, empresas e companhias de navegação, entre
outros atores.
Além das expedições científicas de estudantes, enfermeiros, docentes,
pesquisadores e até pacientes, algumas estratégias articulavam médicos e
diplomatas entre Brasil e Alemanha. Havia periódicos especializados,
como a Revista Médica de Hamburgo, fundada por Ludolph Brauer,
organização de encontros científicos internacionais, campanhas
sanitárias, consolidação de produtos da indústria farmacêutica alemã e
construções de hospitais por vezes voltados à assistência de imigrantes.
Enquanto no Brasil – especialmente no circuito Rio-São Paulo – as
faculdades de medicina ganhavam corpo, com maior especialização e
interesse tecnológico, sofisticação das técnicas de intervenção
cirúrgica e avanços em procedimentos de diagnóstico e profilaxia, a
Alemanha já era ponta de lança do desenvolvimento científico. Ali foi
elaborado o modelo médico que alicerçou a formação contemporânea com o
tripé ensino, assistência clínica e pesquisa universitária em Berlim,
Göttingen, Heidelberg e Munique. Descobertas clínicas e inovações
cirúrgicas vinham de laboratórios de universidades, indústrias e
institutos alemães, que contavam com expoentes como Robert Koch, Rudolf
Virchow, Paul Ehrlich, Emil Kraepelin, Emil von Behring, August von
Wassermann, entre outros.
As ciências tiveram impacto no contexto político, às vésperas da
Segunda Guerra Mundial. “Tornaram-se ingredientes importantes do
prestígio nacional, ainda mais no ambiente de intenso nacionalismo”, diz
Silva. Na análise do historiador, a experiência da Primeira Guerra já
tinha demonstrado a importância de estruturar complexos nacionais de
pesquisa científica, aliando instituições acadêmicas, indústrias,
militares e Estado. “Além disso, o discurso científico contribuiu para
legitimar ambições territoriais e pretensões de superioridade nacional e
racial importantes para conquistar a adesão interna e a externa, de
aliados”, observa.
Superioridade cultural
De acordo com Silva, médicos alemães se envolveram na propaganda cultural, persuadidos pela superioridade de sua cultura. Entretanto, após a Primeira Guerra, a ciência alemã ficou relativamente isolada quando parte dos cientistas se manifestou a favor do militarismo germânico. Ademais, físicos, médicos e químicos participaram de estudos como o desenvolvimento de gases letais. A instrumentalização do conhecimento para fins bélicos levou vários países a boicotar a ciência alemã até meados da década de 1920. “É importante, no entanto, distinguir os diferentes níveis da cooperação científica transnacional para ter clareza de que muitos pesquisadores continuaram mantendo contato informal com seus pares de países outrora inimigos. Embora repercutisse internacionalmente, para os latino-americanos não teve praticamente nenhum efeito uma política de boicote levada a cabo por organizações das quais muitos deles não faziam parte”, pondera.
De acordo com Silva, médicos alemães se envolveram na propaganda cultural, persuadidos pela superioridade de sua cultura. Entretanto, após a Primeira Guerra, a ciência alemã ficou relativamente isolada quando parte dos cientistas se manifestou a favor do militarismo germânico. Ademais, físicos, médicos e químicos participaram de estudos como o desenvolvimento de gases letais. A instrumentalização do conhecimento para fins bélicos levou vários países a boicotar a ciência alemã até meados da década de 1920. “É importante, no entanto, distinguir os diferentes níveis da cooperação científica transnacional para ter clareza de que muitos pesquisadores continuaram mantendo contato informal com seus pares de países outrora inimigos. Embora repercutisse internacionalmente, para os latino-americanos não teve praticamente nenhum efeito uma política de boicote levada a cabo por organizações das quais muitos deles não faziam parte”, pondera.
O patologista e microbiologista carioca Henrique da Rocha Lima, por
exemplo, se tornou um dos principais colaboradores da diplomacia alemã
nas décadas de 1920 e 1930. Rocha Lima descobriu a origem do tifo
exantemático em 1916, no Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de
Hamburgo. Na volta definitiva ao Brasil, em 1928, foi uma liderança
marcante do Instituto Biológico de São Paulo. O patologista Walter
Büngeler, alemão de Danzig (atual cidade polonesa de Gdansk), escolhido
para a cátedra da Escola Paulista de Medicina, pretendia ali iniciar um
núcleo alinhado à ciência alemã – e correspondeu às expectativas dos
oficiais da chancelaria e do Partido Nazista, transformando a escola num
celeiro científico para as iniciativas da Academia Médica
Germano-ibero-americana, especialmente com as excursões de estudantes.
O intercâmbio expressivo incluiu nomes como o oftalmologista Antônio
de Abreu Fialho, o psiquiatra Antônio Pacheco e Silva, o dermatologista
Adolfo Lindenberg, que foram convidados a visitar a Alemanha. Do outro
lado, vieram ao Brasil médicos como Franz Volhard, Helmut Ulrici e
Walter Unverricht, Heinrich Huebschmann e Karl Fahremkamp, entre outros.
Diretor do Hospital Eppendorf, Ludolph Brauer visitou o Rio, Salvador e
São Paulo – ali ainda passou pela distante colônia de Presidente
Epitácio, onde existia uma ativa célula do Partido Nazista. A
deflagração da Segunda Guerra Mundial, em 1939, abalou o intercâmbio
científico, que acabou a partir da entrada do Brasil no conflito, ao
lado dos Aliados, em 1942.
Projeto
As relações científicas germano-brasileiras no contexto da medicina paulista (1919-1950)
(nº 2011/51984-5); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Maria Amélia Mascarenhas Dantes (FFLCH-USP); Bolsista André Felipe Cândido da Silva; Financiamento R$ 227.531,91 (FAPESP).
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