ACESSO: 30/01/2018 as 12:02
POR: MARIA GUIMARÃES | Edição Online 15:00 26 de abril de 2017.
Uma rua iluminada por árvores brilhantes, em vez de postes e lâmpadas. A
imagem parece um sonho, mas não chega a ser impossível para o químico
Cassius Stevani, professor no Instituto de Química da Universidade de
São Paulo (IQ-USP). “Mas é preciso tomar cuidado, não queremos que a
floresta natural emita luz à noite”, alerta. Mesmo fora do horizonte da
realidade, o cenário de ficção científica está enraizado na pesquisa de
Stevani com fungos bioluminescentes, principalmente da espécie Neonothopanus gardneri, da Mata dos Cocais, no Piauí.
Ele e uma série de colaboradores, sobretudo russos e brasileiros,
acabam de desvendar uma parte importante das reações químicas que
iluminam cogumelos de verde, conforme mostra artigo publicado no dia 26
de abril no site da revista Science Advances.
Um ponto importante do estudo foi descobrir que a hispidina, uma
molécula com propriedades farmacológicas presente em boa parte das
plantas, é precursora da luciferina, substrato essencial à produção de
luz nos fungos. A hispidina também está em cogumelos não luminescentes,
nos quais é responsável por uma cor alaranjada e por protegê-los contra
os danos causados pela luz solar.
De acordo com a sequência de reações químicas revelada pelo grupo de
pesquisadores, a luciferina reage com oxigênio por ação da enzima
luciferase e dá origem à oxiluciferina excitada, que, ao decair para o
estado fundamental, emite um fóton – e, portanto, luz. Depois disso, a
oxiluciferina sofre ação de outra enzima e dá origem ao ácido cafeico.
Essa é outra descoberta importante porque o ácido cafeico já era
conhecido como precursor da hispidina. Assim, Stevani explica que o
ciclo se fecha. “Há uma reciclagem das moléculas envolvidas na
bioluminescência, o que explica a pequena quantidade de hispidina
existente nos fungos: ela é constantemente formada, em seguida reage e o
ciclo da bioluminescência continua.” Como esse processo consome
oxigênio, pode ser uma maneira de o organismo combater danos por
estresse oxidativo.
Árvores e outras plantas também produzem ácido cafeico, e vem daí a
brincadeira de sugerir a manipulação genética de modo que produzam as
enzimas necessárias para completar a reação e brilhem. “Também seria
possível produzir orquídeas luminescentes para o comércio de plantas
ornamentais”, imagina o químico. O bioquímico norte-americano Hans
Waldenmaier, que no ano passado terminou o doutorado sob orientação de
Stevani, está justamente com planos de montar uma empresa para produzir
plantas bioluminescentes em seu país natal. O intuito não é apenas
decorativo. “Talvez um dia seja possível usar esse sistema como repórter
para seguir processos biológicos de plantas e aplicar a problemas de
saúde humana”, diz o professor do IQ-USP. Proteínas fluorescentes usadas
como marcador genético luminoso, ou repórter, renderam a Osamu
Shimomura, Roger Tsien e Martin Chalfie o prêmio Nobel de Química em
2008 exatamente pela importância na visualização de processos
bioquímicos. Naquele caso se tratava de uma proteína fluorescente
produzida por medusas, amplamente usada em laboratórios do mundo todo.
Química produtiva
Os resultados obtidos no artigo da Science Advances nasceram da colaboração entre Stevani e o químico russo Ilia Yampolsky, do Instituto de Química Bio-orgânica, em Moscou, uma parceria que surgiu de maneira inusitada. Quando soube, por relato de alunos que voltavam de um congresso internacional, que Yampolsky buscava caracterizar moléculas responsáveis pela bioluminescência de fungos, o brasileiro entrou em contato para propor unir esforços. Mas chegou tarde demais: os resultados já estavam submetidos para publicação, a partir de culturas de um fungo muito semelhante ao brasileiro: era Neonothopanus nambi, originário do Vietnã. Na disputada corrida acadêmica, a derrota para um pesquisador com um histórico mais recente de pesquisa nesse tema poderia ser motivo para despeito e inimizade. Aconteceu o contrário. Para chegar aos resultados apresentados na Science Advances, cada um contribuiu com sua especialidade – o russo em síntese de compostos orgânicos e o brasileiro em mecanismos químicos. Em São Paulo, também participaram os químicos Erick Bastos e Paolo di Mascio, do IQ, e Anderson Oliveira, do Instituto Oceanográfico, além dos farmacêuticos Felipe Dörr e Ernani Pinto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, todos da USP.
Os resultados obtidos no artigo da Science Advances nasceram da colaboração entre Stevani e o químico russo Ilia Yampolsky, do Instituto de Química Bio-orgânica, em Moscou, uma parceria que surgiu de maneira inusitada. Quando soube, por relato de alunos que voltavam de um congresso internacional, que Yampolsky buscava caracterizar moléculas responsáveis pela bioluminescência de fungos, o brasileiro entrou em contato para propor unir esforços. Mas chegou tarde demais: os resultados já estavam submetidos para publicação, a partir de culturas de um fungo muito semelhante ao brasileiro: era Neonothopanus nambi, originário do Vietnã. Na disputada corrida acadêmica, a derrota para um pesquisador com um histórico mais recente de pesquisa nesse tema poderia ser motivo para despeito e inimizade. Aconteceu o contrário. Para chegar aos resultados apresentados na Science Advances, cada um contribuiu com sua especialidade – o russo em síntese de compostos orgânicos e o brasileiro em mecanismos químicos. Em São Paulo, também participaram os químicos Erick Bastos e Paolo di Mascio, do IQ, e Anderson Oliveira, do Instituto Oceanográfico, além dos farmacêuticos Felipe Dörr e Ernani Pinto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, todos da USP.
Além de elucidarem as moléculas presentes na reação de
bioluminescência, eles viram que a luciferase é versátil. Yampolski
sintetizou variações da luciferina, que, ao reagir com a luciferase,
também gera luz. Como essas moléculas não são produzidas pelos fungos, a
reação foi produzida dentro de um aparelho, o luminômetro, que acusou a
presença de luz. A diferença é que ela teria um comprimento de onda
distinto do verde observado na natureza e, caso a reação acontecesse na
natureza, seria possível ver cogumelos brilhando em outras cores, como
as imagens alteradas que ilustram esta reportagem: uma “licença
poética”, nas palavras do químico brasileiro.
Entre a química pura, a ficção e aplicações tecnológicas, Stevani
ainda passeia pela biologia ao investigar o significado ecológico da
luminescência dos cogumelos. Os resultados obtidos por Waldenmaier em
sua pesquisa de doutorado ainda estão sendo preparados para publicação,
mas já dá para dizer que filmagens e experimentos em campo sugerem que o
brilho atrai insetos e cria um verdadeiro ecossistema em miniatura. Os
cogumelos parecem ser um ponto de encontro para vagalumes, que os
visitam aos pares. Baratinhas douradas comem o fungo e são caçadas por
aranhas. Todos, Stevani sugere, atraídos pela luz que se propaga bem
mais do que o cheiro no ambiente da floresta. Enquanto isso tudo
acontece, os animais se recobrem de esporos e ajudam a disseminá-los.
Afinal, crescendo perto do chão onde há mais umidade, falta vento para
soprar as partículas reprodutivas. Na colaboração, todos parecem sair
ganhando.
Projeto
Bioluminescência em fungos: levantamento de espécies, estudo mecanístico & ensaios toxicológicos (nº 13/16885-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Cassius Vinicius Stevani (USP); Investimento R$ 183.183,40 + US$ 58.141,94.
Bioluminescência em fungos: levantamento de espécies, estudo mecanístico & ensaios toxicológicos (nº 13/16885-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Cassius Vinicius Stevani (USP); Investimento R$ 183.183,40 + US$ 58.141,94.
Artigo científico
KASKOVA, Z. M. et al. Mechanism and color modulation of fungal bioluminescence. Science Advances. 26 abr. 2017.
KASKOVA, Z. M. et al. Mechanism and color modulation of fungal bioluminescence. Science Advances. 26 abr. 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
GOSTOU DO QUE ENCONTROU POR AQUI? Esperamos que sim, caso contrário, nos envie sugestões.