ACESSO: 30/01/2018 as 11:42
Originário da região amazônica, o jambu (Acmella oleracea) é
uma hortaliça muito utilizada na culinária do norte do Brasil,
principalmente no Pará, em pratos famosos como o tacacá e o pato no
tucupi. Além da alimentação, a planta é usada pelos povos indígenas e
ribeirinhos como analgésico e anestésico para tratar aftas, herpes,
dores de dente e garganta. Duas outras propriedades conhecidas dessa
planta, a de fungicida e de combate a ácaros, despertaram o interesse de
alguns pesquisadores com o objetivo de desenvolver medicamentos.
A analgesia é a característica do jambu que atrai maior atenção,
tanto nos apreciadores das iguarias, que sentem a dormência na boca
durante a refeição, como nos pesquisadores. Já se sabe, desde os anos
1950, que os efeitos anestésicos e analgésicos são provocados pela
substância espilantol, embora não existam medicamentos comerciais com
essa base. São informações que fizeram o farmacêutico industrial Rodney
Alexandre Ferreira Rodrigues, professor do Centro Pluridisciplinar de
Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) e da Faculdade de
Odontologia de Piracicaba (FOP), ambos da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), desenvolver um filme (película fina) odontológico em
colaboração com a mestranda Verônica Santana de Freitas-Blanco.
“Nosso objetivo foi produzir um pré-anestésico de uso oral para o
paciente suportar a dor da agulha na anestesia”, explica Rodrigues.
“Purificamos o extrato da planta e produzimos um filme para incorporar o
produto. Hoje, o extrato também está em testes em nosso laboratório
para o uso no combate à mucosite – inflamação nas partes internas da
boca e da garganta, que é um efeito colateral em pacientes de
quimioterapia.”
Rodrigues conta que seu grupo desenvolveu um processo para a obtenção
do extrato de jambu com melhor aproveitamento do espilantol. De acordo
com ele, o método, já com pedido de patente depositado no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), é mais simples e rápido do
que os tradicionais, porque possui poucas etapas e utiliza reagentes
atóxicos e mais baratos. “Outra vantagem é que nosso processo de
purificação elimina pigmentos verdes da clorofila, que dão uma cor
indesejada ao extrato, principalmente para uso cosmético”, explica
Rodrigues. “Essa coloração não é bem-aceita pelo mercado.”
A Unicamp licenciou a patente do processo de extração do extrato de
jambu para a empresa Brasil Aromáticos, de São Paulo, que pretende
usá-lo em um futuro próximo. Hoje, a empresa compra no mercado, para uso
em cosméticos, o quilo do extrato comum, sem purificação, por R$ 10
mil. “Licenciamos a patente e agora estamos verificando a possibilidade
de fazer uma fábrica de extratos e incentivar a plantação de jambu aqui
na região Sudeste”, conta Raquel da Cruz, sócia-fundadora da Brasil
Aromáticos. “Nossa estimativa é de que o preço do quilo fique em torno
de R$ 3 mil.” A empresa, que fatura R$ 2,5 milhões por ano e exporta
seus produtos para vários países, utiliza o extrato de jambu em um
lubrificante sexual.
O processo de produção do extrato de jambu desenvolvido na Unicamp
também está sendo usado para a elaboração de produtos acaricidas,
capazes de controlar os carrapatos do boi, o Rhipicephalus microplus, e do cavalo, o Amblyomma cajennense,
conhecido como carrapato-estrela. O estudo, iniciado em 2015, é do
doutorando em ciências biológicas Luís Adriano Anholeto, da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, sob a orientação das
professoras Maria Izabel Camargo-Matias e Patrícia Rosa de Oliveira.
Os resultados até agora obtidos por Anholeto demonstram que o extrato
do jambu afeta as células germinativas dos carrapatos (tanto dos machos
como das fêmeas), comprometendo a reprodução desses âcaros. Segundo
ele, a partir da obtenção desse novo conhecimento, abre-se a
possibilidade de futuramente ser criado um acaricida de origem vegetal.
“A ideia é desenvolver um produto que cause menos danos aos animais e ao
ambiente do que os disponíveis no mercado”, explica Anholeto.
A pesquisadora da área de sanidade animal Karina Neoob de Carvalho
Castro, da Embrapa Meio-Norte, uma unidade da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada em Parnaíba (PI), também
trabalha em conjunto com o grupo da Unesp e pretende desenvolver um
repelente natural com jambu. Os estudos começaram em 2012 e são
realizados em parceria com outras unidades da Embrapa e universidades.
“Foi produzido um extrato com ação acaricida sobre fêmeas e larvas de
carrapato em testes em laboratório”, conta Karina. “Em 2014, mostramos
que o extrato prejudica a reprodução de fêmeas de carrapato ingurgitadas
– que estão prontas para fazer a postura de 3 mil ovos, em média – com
uma eficácia de até 98,2%.” Com isso, a Embrapa pretende desenvolver um
repelente com jambu que possa ser utilizado em animais jovens, que são
aqueles mais sensíveis aos produtos convencionais.
Sob a liderança da bióloga Ana Carolina Chagas, os pesquisadores vão
avaliar a estabilidade de uma formulação nos animais, em análises
toxicológicas e testes pré-clínicos. Karina ressalta que muitos produtos
vindos da natureza, não sintéticos, necessitam de desenvolvimento de
formulações que possam manter a vida útil do repelente em atividade nos
animais. A parceria entre a Embrapa e universidades poderá render um
repelente inédito produzido com recursos da biodiversidade da Amazônia.
Projetos
1. Desenvolvimento e avaliação de formulações tópicas contendo espilantol para uso no tratamento da mucosite oral (nº 14/16186-9); Modalidade Auxílio à pesquisa – Regular; Pesquisador Responsável Rodney Alexandre Ferreira Rodrigues (Unicamp); Investimento R$ 89.983,26.
2. O jambu (Acmella oleracea) e sua ação acaricida: I.
Estudo dos efeitos sobre a morfofisiologia dos sistemas reprodutores
masculino e feminino de Amblyomma cajennense (Fabricius, 1787) (Acari:
Ixodidae) (nº 15/01496-5); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisadora Responsável Maria Izabel Souza Camargo (Unesp); Bolsista Luís Adriano Anholeto; Investimento R$ 125.702,46.
Artigos científicos
FREITAS BLANCO, V. S., FRANZ-MONTAN, M. et al. Development and evaluation of a novel mucoadhesive film containing acmella oleracea extract for oral mucosa topical anesthesia. PLOS ONE. On-line. set. 2016.
CASTRO, K. N. C.; ANHOLETO, L. A. et al. Cytotoxic effects of extract of acmella oleraceae (Jambu) in rhipicephalus microplus females ticks. Microscopy research and technique. On-line. ago. 2016.
EM: Pesquisa/FAPESP ED. 263 | JANEIRO 2018
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