ACESSO:19/10/2017 as 18:32
Inovação nos tempos do Império
Primeira lei de patentes ajudou a estimular a atividade inventiva no Brasil no início do século XIX
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE
A vinda da família real em 1808 para o Brasil colocou o país no
centro das decisões políticas da corte portuguesa, que adotou uma série
de medidas de incentivo ao desenvolvimento industrial e econômico de sua
principal colônia. Entre as ações estava a permissão para a instalação
de fábricas, manufaturas e empresas, além de um alvará tratando da
questão do privilégio industrial aos inventores e introdutores de novas
máquinas no país. O documento, inspirado em leis da Inglaterra e dos
Estados Unidos, fez do Brasil uma das primeiras nações a conceder
direitos a inventores, abrindo caminho para que mais tarde fosse
regulamentada uma legislação específica sobre patentes.
Promulgada em agosto de 1830, a lei é resultado de uma articulação
encabeçada pelo engenheiro Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt
(1762-1835). Nascido em Santo Antônio de Itacambira, em Minas Gerais,
Bittencourt mudou-se para Portugal em 1783 para estudar leis e filosofia
natural na Universidade de Coimbra. Graduou-se em 1787, mas não voltou
imediatamente ao Brasil. Permaneceu na Europa, onde foi eleito membro de
associações científicas como a Academia Real das Ciências de Lisboa e a
Real Academia de Ciências de Estocolmo, Suécia. Retornou ao Brasil em
1808 para administrar a Real Extração de Diamantes. Enveredou-se pela
política, tornou-se deputado constituinte e, em 1827, senador. É de sua
autoria o projeto de regulamentação da norma sobre privilégios
industriais, apresentado em julho de 1828.
O projeto, depois transformado em lei, regulamentou os direitos de
patentes no Brasil antes mesmo de Portugal, que só o fez em 1837.
“Tratava-se de uma legislação inovadora para a época”, comenta o
historiador da ciência João Carlos Vannucci, do Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI), no Rio de Janeiro. “Poucos países
dispunham de um arcabouço institucional de proteção de direitos
intelectuais.” Apenas Inglaterra, Estados Unidos, França, Rússia,
Prússia, Bélgica, Países Baixos e Espanha tinham leis de patentes em
vigor.
A lei brasileira pretendia promover o desenvolvimento local de novas
máquinas e processos, bem como a introdução de empresas estrangeiras no
país. Os pedidos eram depositados no Arquivo Público. Exigia-se que
fossem acompanhados de desenhos, memórias ou modelos que ajudassem a
explicar o invento. Em seguida, eram submetidos à análise de avaliadores
da Junta Real de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Em outros
casos, eram enviados à Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional,
sociedade civil de direito privado fundada em 1831 com o objetivo de
fomentar a indústria brasileira. Após uma avaliação inicial, as máquinas
e processos eram submetidos a exames mais detalhados para comprovação
de sua novidade e utilidade. A patente era concedida gratuitamente ao
primeiro a inventar algo. Poderia ter duração de cinco a 20 anos,
dependendo de sua importância, sendo que o inventor poderia perder os
direitos sobre sua criação caso não a introduzisse no mercado em até
dois anos ou se já tivesse obtido uma patente no exterior pela mesma
invenção.
“A lei era bastante exigente em termos de novidade”, conta a
economista Andrea Felippe Cabello, do Departamento de Economia da
Universidade de Brasília (UnB). Vários países que dispunham de uma lei
de patentes concediam direitos de propriedade industrial para cópias ou
adaptações de máquinas ou processos patenteados em outros países. “No
Brasil isso não era possível”, ela afirma. Andrea e o também economista
Luciano Costa Póvoa, consultor legislativo do Senado Federal, fizeram
uma análise econômica da primeira lei de patentes brasileira a partir do
estudo de 783 patentes concedidas entre 1830 e 1882 no Brasil. A
avaliação desses documentos lhes permitiu entender como a atividade
inventiva reagiu à instituição de uma lei de patentes no país.
A atividade de patenteamento teve início lento, com poucas patentes
concedidas nos primeiros 30 anos de vigência da lei. A situação mudou a
partir de 1870, com o início da industrialização, a expansão da
cafeicultura e a escassez de mão de obra no campo. “Quase 80% das
patentes do século XIX foram concedidas após 1870, também em razão do
crescente interesse de estrangeiros em proteger suas invenções no
Brasil”, afirma Póvoa.Segundo ele, a atividade inventiva estava conectada à estrutura
econômica e social do Brasil, de modo que a escassez de mão de obra
estimulou a invenção de muitas máquinas e equipamentos para o setor
agrícola, sobretudo no âmbito da atividade cafeicultora, com
equipamentos para limpar, descascar e secar os grãos. Muitos
requerimentos de patentes foram publicados em O auxiliador da indústria nacional,
da Sociedade Auxiliadora. Foram justamente esses os documentos
analisados por Vannucci em seu doutorado, defendido em 2016 no Programa
de Estudos Pós-graduados em História da Ciência da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Sob orientação do físico e historiador da ciência José Luiz Goldfarb,
do Centro Simão Mathias da PUC-SP, Vannucci analisou 62 requerimentos
publicados em O auxiliador entre 1833 e 1862, como carros
movidos a vapor, máquinas para fabricar gelo, extrair caldo de cana,
torrar farinha de mandioca e filtrar água. Por meio da análise desses
documentos é possível ter uma ideia de como a técnica e a ciência se
desenvolviam no Brasil. “Nota-se que os analistas de patentes tinham
amplo conhecimento técnico, oferecendo respostas convincentes, baseadas
em teorias científicas da época, mesmo aos pedidos submetidos por
estrangeiros”, ele explica.
Muitas invenções foram apresentadas na Primeira Exposição Nacional de
Produtos Naturais e Industriais, promovida em 1861, no Rio de Janeiro. A
exposição pretendia mostrar ao mundo os progressos técnicos e
científicos alcançados pelo país com sua incipiente atividade
industrial. O evento foi um sucesso de público, segundo a imprensa da
época. Durante seus 46 dias de duração, cerca de 50 mil pessoas
visitaram a exposição no prédio da Escola Central do Largo São
Francisco. Dentre as principais invenções apresentadas, destaca-se a
chamada máquina de taquigrafia, concebida pelo padre paraibano Francisco
João de Azevedo (1814-1880), precursora da máquina de escrever moderna.
Havia também objetos de grandes dimensões, como uma bomba de incêndio,
exposta pela Companhia de Iluminação de Gás do Rio de Janeiro, e um
modelo de locomotiva, desenvolvida no Estabelecimento de Fundição e
Estaleiros da Ponta d’Areia, em Niterói, também no Rio.
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